FREI MÁRIO CORNELISSEN (1899-1979) - UM FRANCISCANO COM FAMA DE SANTIDADE.

Frei Mário Cornelessin- Data Desconhecida.

Mário Cornelisen (Oploo, 1899 - Katwijk, 1979) foi um sacerdote católico de grande importância para diversas localidades à margem esquerda do São Francisco destacando-se as cidades de Abaeté, Cedro do Abaeté, Paineiras, Biquinhas e Tiros. Para entender um pouco mais desse personagem, é necessário fazermos um retrospecto acerca dos franciscanos. 

Quem são os Franciscanos?

Franciscanos são cristãos católicos que vivem sua fé identificados com o carisma e ensinamentos de seu fundador, o santo italiano Francisco de Assis (1181 - 1226), exemplar na humildade e servidão a Cristo. A ordem foi fundada há mais de 800 anos. Eles centram a sua ação na oração, na pregação, na evangelização, no serviço aos pobres e nas demais obras de caridade. Os primeiros franciscanos a chegar ao Brasil o fizeram em companhia de Pedro Álvares Cabral, em 1500. Frei Henrique, superior da caravana de missionários, celebrou no dia 26 de abril, domingo da Páscoa, a primeira missa no ilhéu da Coroa Vermelha, na qual fez “solene e proveitoso sermão". 


Primeira missa no Brasil, representação de Victor Meirelles. 


As missões franciscanas na região do Marmelada.

Antes mesmo da vigariaria de Abaeté ser entregue aos padres franciscanos em 1938, eles já realizavam missões na região. As primeiras foram pregadas em 1849 quando Frei João do Lado de Cristo Pinheiro passou pelo Marmelada (atual Abaeté) fazendo casamentos, pregando e batizando. Seria em uma dessas missões, na década de 1920 que os freis Adolfo Thoosen e Onésimo Timmermans conheceram em Morada Nova - MG um piedoso cristão, o garoto Antônio Álvares da Silva, futuro capelão e patrono do Exército Brasileiro, o frei Orlando Álvares da Silva. 

Segundo texto da Diocese de Luz - MG" Em 1924, os frades assumiram a direção da Paróquia do Divino Espírito Santo, em Divinópolis/MG, implantando, ali, em seu convento, a Faculdade de Teologia, em 1931. Porém, a presença mais efetiva foi em Abaeté/MG, Morada Nova de Minas/MG, Biquinhas/MG, Paineiras/MG, Cedro do Abaeté/MG, a partir de 1938, quando foi nomeado vigário Frei Mário Cornelissen, que permaneceu no cargo até 1965. Anos depois vieram também as irmãs do Coração de Jesus e implantação de um colégio (CNEC) em Abaeté/MG, em 1947.

Além de Frei Mário, o segundo frade mais longevo foi frei Gustavo Driessen, que permaneceu por 14 anos na paróquia. Frei Patrício de Moura Fonseca (1989 – 1997) renovou a pastoral paroquial em Abaeté/MG. Levou para lá as irmãs clarissas franciscanas, missionárias da Sagrada Eucaristia, e, para Paineiras/MG, as irmãs catequistas franciscanas, que trabalharam também com frei Ronaldo Zwinkels. Numerosos frades foram enviados a serviço em Abaeté/MG, Paineiras/MG e Cedro do Abaeté/MG, fazendo-o com muito carinho e zelo."

Com a saída da presença franciscana da Paróquia de Nossa Senhora do Patrocínio, em outubro de 2008, ficou registrada sua marca, deixando um pouco do espírito franciscano na presença das três fraternidades da Ordem Franciscana Secular (OFS): João XXIII, em Abaeté/MG; Nossa Senhora do Bom Despacho, em Bom Despacho/MG; e Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento, em Dores do Indaiá/MG. (1)


Seminario Franciscano em Divinópolis. 
Frei Mário Cornelissen.

Frei Mário Cornelissen, nasceu em 07 de agosto de 1899, em Oploo, Holanda. Seu nome de batismo era uma homenagem ao avô paterno: Martinus Wilhelmus Cornelissen. Seus pais foram Johannes Cornelissen e Hendrika Bardoel. Segundo de cinco filhos, apenas ele e o irmão Hendrikus chegaram à idade adulta. Ficou órfão de mãe aos 12 anos e de pai aos 18. Em 1917 ingressa na vida religiosa dos franciscanos como noviço no mosteiro de Alverna-Wijchen até 08/1920 quando vai estudar teologia em Blejerheide, ficando até 1922. Depois trasfere-se para o mosteiro de Weert onde estudou teologia recebendo ali no dia 30 de Março de 1924 sua ordenação sacerdotal. Em Vorden torna-se auxiliar e paciente até 1926. Depois, passa até 1927 como assistente e pregador.     

Missão no Brasil 

Em 14/09/1927 se entrega na missão holandesa no Brasil, que duraria ate sua partida em 14/08/1965. 

Como missionário, passou os dois primeiros  anos em Divinópolis no estudo de idiomas. Depois trasnfere-se para Belo Horizonte onde foi capelão de 1929 a 1936. Após um curto perído em S.João del Rei de 1936 1937 volta para Divinópolis de 1937 1938 como pastor interino.. 

Abaeté .

Em 1938 Dedicado pároco, se colocava disponível para atender a todos que o procurassem, fosse na cidade ou no meio rural, cuidando de doentes e pobres, ministrando os sacramentos, oferencendo direção espiritual, combatendo o protestantismo e o espiritismo, defendendo a fé católica e tentando conciliar os bravos políticos – adversários, como a UDN (União Democrática  Nacional), PSD (Partido Social Democrático) e PR (Partido da República). (1)


O frei, de perfil no primeiro plano, notar a tonsura na cabeça, caracterísica dos franciscanos. 

Diz José de Oliveira que "seu paroquiato foi de inigualável dedicação ao seu ministério, soube granjear a unânime estima e respeito da população." (2)

Ser pároco em uma época de transporte precário, em uma grande extensão territorial onde a maioria da população vivia no campo não era fácil. Ele fazia suas visitas à cavalo, em muares, e assim no lombo de animais visitava as capelas rurais, celebrava a Santa Missa em fazendas, levava a unção dos enfermos, batizava os pequenos, ricos e pobres.

Em Cedro do Abaeté realizou heroico trabalho missionário e muitas pessoas se recordam dele. Diversos registros entre os mais antigos da cidade são do frade ministrando os sacramentos na então Vila. Foi por seu intermédio que o lindo retábulo holandês da Matriz de Nossa Senhora do Rosário foi enviado até o Cedro, dentro de um carro de boi. Quando na cidade, ficava na casa da minha bisavó Conceição Rios de Andrade e seu marido Antônio Ribeiro de Andrade. 


Matrimônio celebrado na então vila do Cedro em 1938, assinado pelo vigário Frei Mário Cornelessin OFM ( Ordo Fratrum Minorum - Ordem dos Frades Menores). No início da formação da cidade. 

Em Paineiras, foi incentivador e organizou o processo da criação da paróquia. 



Frei Mário, de pé no centro e ao fundo. Agosto de 1945. 

Na passagem da imagem peregrina de N.S. de Fátima por Abaeté, em 1954, o frei observou que os confessionários ficavam abarrotados de fiéis contritos, em busca do sacramento da Penitência.  

Preocupado com as doenças da alma, mas também as do corpo, prestava muita assistência na Santa Casa de Misericórdia de Abaeté. (3) Na ocasião da sua saida da cidade, recebeu na despedida um diploma de cidadão honorário concedido pela Câmara Municipal. 

Um íntimo e importante relato se dá acerca da humildade, que marcou a espiritualidade de Mário Cornelissen. Em um dos aniversários do Frei, o Doutor José de Oliveira, advogado e historiador, o cumprimentou em nome do povo e em seu discurso disse que sonhara com uma festa no céu: onde via-se que chegava a alma de Frei Mário envolto no hábito de São Francisco. Para recebê-lo havia hinos e canto dos anjos. Na visão, uma alma de criança pergunta a um querubim quem era o recém chegado: 

- É o Frei Mário, vigário de uma cidadezinha perdida lá no interior do Brasil!

- E quem é aquele barulhento grupo que o aclama? 

- São as almas que o Frei Mário, em vida, mandou para cá, é a colônia abaeteense aqui domiciliada. 

Ao final, Frei Mário disse que apreciara a visão que José tinha tido, mas que já ficava muito satisfeito "se nos encontrássemos lá pelo purgatório".  (2)



Frei Mário Cornelissen, vestido com o hábito franciscano e estola para celebração da Santa Missa. Provavelmente foto da década de 30. 


Nesta matéria, publicada no Abaeté Jornal em 1949, a cidade comemora os 25 anos de ordenação do Frei. Notar o título "Reverendíssimo", forma de se tratar um vigário em apresentação formal. 

Relatos pessoais e legado: 

Frei Mário é lembrado de forma vívida por quem o conheceu, tanto pela austeridade quanto pela caridade e retidão. O cuidado com a Liturgia fazia-o parecer rígido para alguns, como o fato de não permitir que se entrasse na Igreja com roupas sem manga. Porém o olhar amoroso e a simplicidade extrema fazia com que todos se aproximassem dele com afeto. Falava bem o latim e ensinava as palavras e o rito da Santa Missa para os coroinhas. 


Primeira Missa no povoado do Cortume. O frei aparece sentado à direita. Á esquerda e sentada, professora Argentina com os alunos de pé. 


Relatos extraídos do facebook História de Paineiras, Fotos Antigas de Cedro do Abaeté e Fotos Antigas de Abaeté: 

"Grande Frei Mário, quando ia celebrar missas na fazenda para os lados do Vau das Flores, ele e sua comitiva dormiam na casa de meus pais na Fazenda Maracaiá, eu era bem nova,mas me lembro das quitandas e doces que minha mãe preparava com muito carinho"!

"Frei Mário subia no púlpito de madeira no meio da igreja de N.S. do Patrocínio e pregava como se quisesse colocar as coisas dentro da cabeça das pessoas, talvez colocar juízo".

"Frei Mário foi vigário em Paineiras, ele morava numa casa bem coladinha na Igreja. Me lembro que ele só tinha um pulmão, como ele nos contava". 

"Frei Mário fazia procissões ao meio-dia para que Deus mandasse chuva. Pessoa exemplar"!

"Minha mãe falava muito no frei Mário, dia em que tinha missa, meu pai saía lá na beira do rio Indaiá a cavalo, puxando outro cavalo até no Vicente da Margarida, para o Frei ir celebrar a missa, depois da missa trazia-o de volta!"

"Conheci Frei Mário quando criança. Meus pais moravam na fazenda Santiago e todos os anos promoviam os batizados em nossa casa, era uma festança, mamãe e suas amigas passavam a semana toda fazendo as quitandas e doces. O almoço era um banquete! Mamãe contava que certa vez Frei Mário, na hora do batizado, perguntou a um pai o nome da criança e o pai disse que era frei Mário. O frei explicou que nao podia ser frei Mário, que poderia ser Mário, e que para ter frei no nome a criança teria que, primeiro crescer e estudar. O pai insistia que queria que o nome fosse Frei Mário. Então Frei Mário disse assim para o pai: "então eu vou colocar Mário e você, em casa, coloca o freio. Só assim resolveu a questão". 

"Na comunidade do Junco, ele almoçava na casa da Irilda do Tôe Mendes, sogro do Hélio Romualdo."

"Tive a honra de ser batizado e crismado por ele. Sempre ia celebrar Missa em nossa Fazenda do Capão Preto (distrito de Tiros - MG) e ficava em casa e a noite ele contava história para nós"


Fr. Mário Cornelissen, vestido com o seu inseparável hábito franciscano. 


Pouco tempo depois de sair de Abaeté, o frei ficou gravemente enfermo, sendo hospitalizado. Faleceu no dia 22 de novembro de 1979, em Amsterdam, com 62 anos de vida franciscana e 55 anos de ministério presbiteral, 38 deles no Brasil. (5)


Fama de santidade. 

O Código de Direito Canônico pio-bentino de 1917 pedia que a chamada fama de santidade fosse "espontânea, não provocada artificialmente, vindas de pessoas dignas e respeitáveis, contínua, aumentada com o passar do tempo e viva no presente junto à maior parte do povo (cânon 2.050, § 2). 

A fama de santidade não é fruto da emoção; mas a certeza de o indivíduo em questão cultivou com Deus profunda amizade, repercutindo em suas obras e relações. Cumprindo o pedido de Cristo "Sede santos, assim como vosso Pai Celeste é Santo - Mt 5, 48 ". É tão somente a presença mais positiva de Deus naqueles que são realmente seus amigos.

Podemos notar a fama de santidade de Frei Mário nestes comentários de fiéis: 

"Eu fui batizada por ele, era um santo. Ele viajava na jardineira em cima, no maleiro deitado com o hábito vermelho de poeira, indo para Paineiras. Eu morava em Abaeté e via a Jardineira passar com ele em cima e ficava com dó ver ele todo empoeirado no sol quente ou chuva. Era mesmo um santo". 

"Era um frei franciscano muito santo". 

"Falam que ele faz milagres, minha avó contava que ele nunca dormia na cama, arrumava para ele e ele dormia no chão". 

Os relatos se repetem. O fato do frei muitas vezes dormir no chão é uma prática de penitência chamada de mortificação corporal. Uma prática espiritual muito difundida entre os cristãos e explicada pelo New Catholic Encyclopedia (2003): “Mortificação: submeter deliberadamente os impulsos naturais do homem com vista ao domínio progressivo desses impulsos à razão esclarecida pela Fé e para os transformar em sujeitos de santificação. Jesus Cristo pedia esta renúncia a quem queria segui-lO (Lc 9, 29). A mortificação, o que S. Paulo chama crucifixão da carne com os seus vícios e concupiscência (Gal 5, 24), transformou-se no sinal distintivo dos que pertencem a Cristo.

De acordo com a doutrina católica, a Salvação, que se dá pela fé, é a contemplação de Deus pela alma do fiel no Céu. Como diz o Apóstolo, a morte não pode nos separar do amor de Deus. Sendo assim, os fiéis que estão no céu podem interceder junto a Deus pelos que estão na terra. Quando essa intercessão resulta em milagres, sinais visíveis da Graça de Deus, que são confirmados por um rigoroso processo canônico e científico, o indíviduo é canonizado e considerado um santo. Tendo em vista a fama de santidade de Frei Mário, é necessário propagar sua biografia para que se conheça mais e melhor da sua vida. É razoável que constitua em um dever para seus amigos mais íntimos, bem como de pessoas que o conheceram, de fazê-lo conhecido.  

Dentre as virtudes, se destacou neste homem a caridade, uma santa intransigência na fé, humildade, alma penitente, coragem, magnanimidade, laboriosidade, zelo pela doutrina e liturgia e tantas outras. 




Frei Mário na antiga rodoviária de Abaeté. 





Almanak Laemmert : Administrativo, Mercantil e Industrial (RJ) - 1930. O Frei aparece como Coadjuntor em Divinópolis - MG. 


Nesta foto aparecem da esquerda para a direita, José Renato, D. Terezinha (esposa do Zé do Quinzinho), que é o próximo à direita, Renato, José de Oliveira e Maria José. Sentado e ao centro, Mári Cornelessin. 

Homenagens Póstumas: 

A Praça da Igreja São José tem o nome de frei Mário e uma estátua de meio busto em homenagem a ele. Em 2008, durante a comemoração da presença franciscana em Abaeté, houve uma exposição no salão paroquial que contou com itens pessoais do Frei, como uma estola usada por ele.


A bela Capela de São José, em estilo holandês. Construção empreendida por Frei Mário em Abaeté. Notar o busto colocado em sua homenagem, em primeiro plano. 

Fontes: 

1- Site da Diocese de Luz. 

2- Oliveira, José Alves de.- História de Abaeté temperada com um pouco de sal e pimenta.- Belo Horizonte, Impr. Oficial, 1970.  

3- Reminiscências da Peregrinação de N.S de Fátima pelas Paróquias do Bispado de Aterrado de 1 de Abril a 28 de Junho de 1954. Impresso em Luz - MG. 

4- Páginas do Facebook - História de Paineiras, Fotos Antigas de Cedro do Abaeté e Fotos Antigas de Abaeté

5 - Contribuição de Frei Geraldo Luciano Claret Chaves

Comentários

  1. Tive o prazer de ver foto de meus tios Zé do Quinzinho e sua esposabTereza junto de Freiario

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