O ROTEIRO DA GAMELEIRA E TRÊS IRMÃOS - UM MAPA DO TESOURO EM CEDRO DO ABAETÉ.




Ao fundo os três morros, em Cedro do Abaeté. Foto: Luiz Alves. 

Entre a lenda e a realidade:

A possibilidade de deparar-se com grandes tesouros escondidos sempre esteve no imaginário da humanidade. Seja no folclore galego com  as "mouras" encantadas ou na busca do Eldorado na colonização das Américas. O ser humano por ter natureza projetiva, deseja e se envolve por estas histórias. 

Mesmo após a descoberta do ouro em Minas, a crença de que haveria outros territórios lendários reascendia constantemente a vontade dos exploradores que adentravam o sertão. 

O sertão é o desconhecido. Este termo, hoje muito utilizado para descrever regiões áridas, tem seu sentido original da descrição de territórios ermos, desafiadores. 
 
Na história mineira esse mitos se mostraram presentes desde o século XVI, fervilhando o imaginário de aventureiros com as histórias sobre a "Montanha de Prata" chamada pelos indios de "Sabarabuçu" ou mesmo a "Serra das Esmeraldas". Já no século XVII a busca seria pela lendária "Casa da Casca", que estaria localizada em um local muito rico em ouro. É nesse contexto que aparece o "Gameleira e Três Irmãos". 

O roteiro da Gameleira e três irmãos e a descoberta do diamante do Abaeté. 

Os sertanistas que tinham a posse destes roteiros ou cartas passavam a informação  aos seus descendentes, que deviam decifrá-los. Tais documentos passavam de família para família, como promessa da felicidade futura. Um destes roteiros, e de conexão forte com a história de Cedro do Abaeté é o "Roteiro da Gameleria e Três Irmãos". 

Como escreveu o Barão de Eschwege: 

"Este velho roteiro, provavelmente abandonado por algum aventureiro que andara pelos sertões do Abaeté e do Indaiá e mencionava misteriosamente tesouros achados e logo abandonados por falta de víveres, deu causa a que os aventureiros procurassem durante muitos anos aquelas riquezas. E, como seu autor desse, como marco indicativo das proximidades do achado, os Três Irmãos, alguns julgaram tratar-se de três colinas ou montanhas, enquanto outros afirmavam serem os mesmos três rios, junto aos quais, numa gameleira, teria sido deixada uma alavanca de ferro. Por este motivo, passou-se a denominar a busca desse tesouro misterioso “descoberto dos Três Irmãos ou da Gameleira”. Impelidas por esse roteiro, penetraram naqueles sertões, subindo pelo rio Abaeté, muitas bandeiras, todas elas organizadas entre 1769 e 1771. O chefe de uma delas foi João de Godói e de outra Domingos de Andrade, já expulso do Distrito Diamantino do Serro do Frio."

A confusão entre ser três rios ou três morros não os levava ao ponto desejado, pois não encontravam, geralmente, o lugar indicado, assinalados por uma alavanca de ferro enterrada numa grossa gameleira; uma corrente em cedro ou um prato de estanho em uma loca. Se tais papéis não os levavam ao objetivo visado, devem-se a eles, porém, muitas outras descobertas, principalmente a dos diamantes nos rios Indaiá, Abaeté, Santo Antônio, etc., quando procuravam, nesse sertão, o célebre lugar da Gameleira ou dos Três Irmãos.

O mais célebre desses achados foi no Rio Abaeté: um diamante em forma de ovo com peso de sete oitavas e meia e dois vinténs (135 quilates). Veja esse interessante relato do filho do descobridor do diamante do Abaeté, o Dr. José Marciano Gomes Batista (advogado e sacerdote filho de Antônio Gomes Batista e neto de Manoel Gomes Batista)

"O alferes Manoel Gomes Baptista, Paulista de origem, e até descendente dos — Caiapós— , estabeleceo-se em Lavras do Funil, e passando por ahi um outro Paulista, seu parente e amigo, deo-lhe um roteiro, que indicava na matta da Corda uma jazida tão abundante de ouro, que só em carros se poderia conduzir o metal que ali existia. Guiado por este roteiro o alferes Manoel Gomes nos fins do anno de 1790 dirigio- se áquellas paragens, tendo reunido uma bandeira de garimpeiros, levando em sua companhia um padre seu amigo, Anastacio do tal, e um Fuão Xavier. O alferes Manoel Gomes era homem de coragem e perseverança pouco commum; embrenhando-se por aquelles sertões". (5)

Lista de prêmios aos descobridores.


Manoel de Assunção Ferrás Sarmento recebe a nomeação de "Capitão" no novo Descoberto da Gameleira e três irmãos. 


A descoberta do diamante do Abaeté já rendeu diversos capítulos em livros como do Dr. José de Oliveira e também do Dr. Waldemar Barbosa. Não é o intuito deste texto discorrer sobre o achado em si. Porém, fica evidente, que os descobridores estavam em posse deste roteiro paulista. 

Este diamante de dimensões extraordinárias ainda permanecia em sua forma bruta até há pouco tempo, antes de ter sido furtado. Fazia parte da Coleção de Tesouros Reais em Portugal no Palácio D’Ajuda. 


O ‘Diamante do Abaeté’ ainda em sua forma bruta, antes do furto, quando estava na Coleção de Tesouros Reais da Coroa Portuguesa. 

Ainda no documento "Escavações ou Apontamentos Históricos da Cidade de Pitangui" publico por Joaquim Antônio Gomes da Silva na revista do Arquivo Público Mineiro Vol. 7 em 1902 que diz o seguinte

"No ano de 1792, o Alferes Manoel Gomes Batista, o Padre Anastácio Gomes Pimentel e muitos outros, servindo-se de um roteiro, que se dizia fora deixado pelo velho guia, morto no Cururu, entraram no sertão na procura do lugar denominado – Três Irmãos – , onde esperavam encontrar grandes riquezas. Com efeito, descobriram que o rio Indaiá era diamantino, e, no rio Abaeté, acharam o grande diamante que pesou mais de 25 gramas e que por eles foi conduzido a Capital da Vila Rica. Nesse mesmo ano foi estabelecido o Quartel do Indaiá e foi seu primeiro Comandante o Alferes Antonio Dias Bicalho." (1)

Manutenção do imaginário:

O naturalista Dr. José Vieira Couto foi encarregado pelo governo português, em 1800, de estudar a zona dos rios Indaiá e Abaeté e informar o resultado que se poderia tirar do seu lavor. Ele percorreu aquele sertão e notou a fama do roteiro. 


Dr. Vieira Couto, em sua "Memória da Capitania de Minas Gerais - 1801

O relato de Eschewege em 1812: 

Em 1811, o comandante do Distrito Diamantino do Indaiá (Major José de Deus Lopes) foi incumbido de tomar, a tempo, as necessárias providências para localizar exatamente o veeiro de chumbo da Mina da Galena. Esse comandante enviou ao fazendeiro José Soares Roma um soldado e valentes sertanejos "excelentes caçadores" para completar a missão. Além destes sertanejos, se juntaram a eles outros aventureiros que voluntariamente buscavam " viajar em uma região proibida, tão rica em diamantes, onde supunham encontrar, de acordo com um velho roteiro, o Descoberto da Gameleira ou dos Três Irmãos, célebre pelos seus enormes tesouros. Essas idéias deram-lhes ânimo para suportar as enormes dificuldades da caminhada".

Esses relatos sao prova de que o roteiro permanecia no imaginário da população mesmo após a descoberta do diamante. 

As memórias do roteiro no imaginário Cedrense:  

Cedro foi possivelmente o ultimo reduto onde se preservou viva a memória do Roteiro dos Três irmãos. 
Em entrevista para um jornal da década de 80, que tratava do garimpo de diamantes no Indaiá, o senhor Afonso de Paula Borges (pai do Tõe do Afonso) relembrava que desde os tempos de seu pai (Antônio de Paula Borges) os garimpeiros percorriam a região dos Três Morros em busca de tesouros dos "bandeirantes". Naquelas montanhas uma infinidade de buracos abertos nas montanhas. 

O Roteiro de Antônio de Paula: 


Memórias do senhor Afonso de Paula Borges, sobre um roteiro de seu pai, Antônio de Paula Borges - 1866/1952 (irmão do meu bisavô paterno, José Ferreira Pinto). 


Fotografia na fazenda Baixadão (provavelmente final dos anos 40). Antônio de Paula é o  terceiro da direita para esquerda. Afonso de Paula é o segundo. 


O roteiro de Zacarias Rezende de Assis:  

Em 1970, Zacarias Resende de Assis, então com 31 anos de idade e proprietário da fazenda "Três Morros" buscou ajuda das autoridades para desvendar um documento que encontrou ao olhar papéis antigos de seu pai Anibal José de Resende e do seu avô Zacarias José de Resende, chamado pelo apelido de "Benzinho" - antigo dono da fazenda Baixadão. Era um misterioso e gasto pergaminho, de consideráveis dimensões, que apresentava uma série de informações truncadas que levariam à localização de um tesouro fabuloso escondido na região de sua fazenda, em Cedro do Abaeté: uma chocolateira de barro cheia de diamantes e um tacho com ouroO documento não tinha data ou assinatura. O caso ganhou certa repercussão e foram publicadas três reportagens, nos jornais cariocas "Diário da Manhã" e "O Jornal", bem como no paulista " Diário da Noite". Zacarias buscava por geólogos e especialistas em documentos antigos para solucionar o enigma naquelas letras antigas e confirmar a veracidade do documento.  




Fotocópia do roteiro de Anibal José de Resende - infelizmente o original foi perdido. 



Transcrição da carta. Moradores antigos consultados pela reportagem disseram que até por volta de 1920 era possível ver as duas perobas. 

                    
Desenho de uma chocolateira. Segundo o dicionário gaúcho: Chocolateira (ou chicolateira) é a vasilha usada nos fogões campeiros,para aquecer a água. Ela é diferente da cambona, uma vez que possui alça, tampa e um pequeno bico. 

A reportagem feita pelo jornal "O jornal - RJ" na época, contava uma história relatada por moradores locais, de que um garimpeiro conhecido por "Europeu" que tinha em seu poder embornais com diamantes, acossado pelas tropas do Quartel Geral, que estavam em perseguição de garimpeiros refugiou-se para os três morros, tendo sepultado ali seu tesouro antes de se entregar aos guardas. Europeu teria entregado uma carta a um aventureiro que a escondeu em uma casa do município de Carmo da Mata - MG, onde vivia o coronel Olinto Ferreira Diniz, um dos mais antigos donos da fazenda Baixadão, que vendeu a propriedade ao avô de Zacarias.  

Segundo informações, muita gente já teria tentado encontrar o tesouro. 


Zacarias José de Assis, em foto para a reportagem. (1971). Residiu em Cedro de 1960 a 1978. 


Fotografia possivelmente do córrego São João, que passa na propriedade Três Morros. Dos poucos córregos da margem direita do Indaiá que tem "sinais de garimpo". 

Uma atualização da história

Ao identificar a reportagem, fui em busca do senhor Zacarias, que atualmente reside em Carmo da Mata-MG. Combinamos um encontro em Cedro do Abaeté e para minha surpresa ele sabia recitar completamente o roteiro, mesmo não tendo mais acesso ao documento há vários anos. 


Da esquerda para a direita, José Rodolfo Assis, Sebastião Borges, Zacarias José de Assis, eu e Márcio Borges. 

Outras histórias: 

A região entre o São Francisco e o rio Abaeté é cercada por certa mística em relação a estas memórias. Há relatos de tesouros escondidos nas antigas terras dos Martins, em Cedro, no capão da Fortuna em Quartel São João, além de outros locais. Deve-se resgatar e registrar todo essas memórias coletivas, rastro do espírito aventureiro dos homens de outrora. 

Fontes: 

1- Arquivo Público Mineiro

2- Oliveira, José Alves de.- História de Abaeté temperada com um pouco de sal e pimenta.- Belo Horizonte, Impr. Oficial, 1970. 

3 - Brasil Novo Mundo - Guilherme, barão de Eschwege. 

4 - História de Minas - Waldemar de Almeida Barbosa. 


5 - Efemérides Mineiras. 









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