LIBANESES EM TERRAS CEDRENSES - BECHARA ALEXANDRE E TUFFI ALEXANDRE - SÉRIE FUNDADORES DO CEDRO.



Sr. Bechara e sua filha Ivany, em Cedro do Abaeté. Provavelmente década de 60.

Bechara Alexadre
e Tuffi Alexandre foram irmãos libaneses da vila de Salima (no Monte Líbano) que se mudaram para o então povoado do Cedro em meados da década de 1930, quando a região era ainda pouco habitada e o primeiro núcleo contava com apenas algumas casas dispersas.
Eles acompanharam o grande fluxo de libaneses que vieram para o nosso país durante o final do século XIX e grande parte do século XX, fugindo da falta de perspectiva econômica da região, então dominada pela política turco-otomana. (1)

Cidade de Origem: 

Salima (Baabda) (صليما (بعبدا)) é uma autoridade local libanesa localizada no distrito de Baabda (Qada'a), uma divisão administrativa da província do Monte Líbano (Mohafazah). O município é membro da Federação dos Municípios de Matn El Aala. No início do século XX a maioria da população era de religião católica e drusa. (2)


Vila de Salima, onde nasceram os irmãos Alexandre.
País de origem:

O Líbano é um país na extremidade leste do mar mediterrâneo e faz fronteira ao sul com Israel e ao norte com a Síria. É uma das regiões de habitações de antigas civilizações, como os fenicios, e posteriormente foi sendo invadida por assírios, gregos bizantinos e turcos otomanos. Tornou-se um importante centro do cristianismo no Império Romano durante o início da difusão da fé. Durante o final do século IV e início do século V, um eremita chamado São Maron do Líbano,  um apaixonado por Cristo, foi tomado de entusiasmo pela perfeição cristã e para atingir este ideal fundou um mosteiro perto da cordilheira mediterrânea conhecida como Monte Líbano. Os monges que seguiram Maron espalharam seus ensinamentos entre os libaneses da região. Esses cristãos ficaram conhecidos como católicos maronitas. 

O Líbano, assim como o restante do território do Oriente Médio, foi parte do Império Otomano desde o século XV até a derrota da Turquia na Primeira Guerra Mundial em 1918. A guerra trouxe grande fome e caos para o pais naqueles anos.


Estrada de Salima até a capital do Líbano, Beirute. 

Entendo a imigração libanesa para o Brasil: 

O século XIX na Síria e no Líbano foi de profundo declínio econômico. Altos impostos e políticas irresponsáveis assolavam a região. Como a maioria dos coletores de impostos eram muçulmanos, os cristãos eram mais penalizados que os outros. Devido a pressão demográfica, pobreza do solo, doenças endêmicas, declínio das indústrias tradicionais e falta de oportunidades econômicas, a emigração tornou-se a única solução possível para essa situação. Com o tempo, tornou-se comum, em períodos de dificuldade econômica, a emigração dos homens das vilas para ganhar dinheiro no exterior e depois mandar fundos para casa a fim de ajudar familiares e parentes. (1)

Este fluxo de libaneses para o Brasil foi incentivado pelo Imperador D. Pedro II (1825-1891), grande admirador da cultura árabe. O imperador esteve duas vezes no Oriente Médio: em 1871, quando visitou o Egito; e em 1876, quando esteve no Líbano, na Palestina e na Síria.

Sua estadia no Líbano ocorreu de 11 a 15 de novembro de 1876, acompanhado de sua esposa, Dona Tereza Christina Maria, e de uma comitiva de cerca de 200 pessoas. De Beirute, onde se hospedou escreveu ao diplomata francês Joseph Gobineau, que estava em Atenas: 

"A partir de hoje, começa um mundo novo. O Líbano ergue-se diante de mim com seus cimos nevados, seu aspecto severo, como convém a essa sentinela da Terra Santa". 

Durante a viagem, falou aos camponeses sobre o Brasil, onde já vivia um pequeno número de libaneses. A visita incentivou o fluxo migratório.  (3)

A saga dos irmãos Alexandre: 

Bechara e Tuffi, nasceram no Líbano, em uma região montanhosa, próxima a Beirute, chamada Salima. Ali viviam com sua família. Seus pais foram Alexandre Al Hely e Joana Jorge. Alguns de seus tios já haviam se transferido para o Brasil e foi por este motivo que em 1906, aos seis anos de idade, Tuffi Alexandre embarcou, sozinho, para o Brasil em um navio com destino ao Rio de Janeiro. Ali era esperado por seus tios, que já haviam feito a imigração e residiam em Oliveira-MG. O restante dos seus familiares permaneceu no Líbano, incluindo seu único irmão homem, o senhor Bechara. Neste época, Minas Gerais era um dos estados que atraíam os sírios e libaneses. Muitos começavam como mascates, passando depois para o comércio de varejo.(4)  

Tuffi Alexandre: 

Após viver alguns anos em Oliveira, Tuffi Alexandre formou-se em contabilidade no Rio de Janeiro, transferindo-se novamente para Oliveira-MG, na época uma pequena cidade mineira, onde era contador do comércio local. Anos depois também adquiriu um comércio na cidade. Diferente dos imigrantes europeus, que procuraram no Brasil as terras para cultivo, os libaneses encontraram nas cidades um local para o desenvolvimento de suas atividades econômicas. Eram chamados pela população local de "Turcos". 

Casamento e descendência:

Casou com a oliveirense Iracema Ribeiro da Silva (1906-1941) em 1926.


Tuffi Alexandre e sua esposa. Sem data. 
 
 
Jornal Gazeta de Oliveira - 1926.  

A paixão pelo Cedro :

Na década de 30, com poucos anos de casado, mudou-se para um povoado que estava se formando no centro-oeste mineiro, no cimo da "cordilheira " da Serra da Saudade, era o Cedro.

Sr. Tuffi deixou Oliveira em busca das novas oportunidades que eram anunciadas naquelas paragens da região serrana de Abaeté. A EFOM (estrada de Ferro Oeste de Minas) havia propiciado uma maior comunicação entre a região de Oliveira/Carmo da Mata e a região do Indaiá. Muitas pessoas nessa época de Carmo da Mata e Oliveira adquiriram propriedades em Dores do Indaiá, Quartel Geral, Quartel de São João e na região de Abaeté. Eram geralmente atraídos pela fertilidade do solo, clima saudável, água abundante, terra barata, grande quantidade de matas a serem exploradas e em busca de atividades como o garimpo, pecuária e lavoura de cereais. Além disso, no caso do senhor Tuffi, o que chamou sua atenção foi o nome do povoado: Cedro. Segundo um de seus netos: 

" - Ele me disse que relacionou o nome "Cedro" às lembranças da infância no seu país de origem, o Líbano. Simplesmente ele se baseou nisso, largou tudo o que tinha em Oliveira, onde era comerciante se transferiu para lá".

Em Cedro constituiu uma grande família tendo os seguintes filhos: Tereza, Joaquim (nasc. em 1932) - nascidos quando o casal ainda vivia em Oliveira), Lourdes, Mauricio Antônio, Claudina, José, Dulce, Oraida e Churchil. É fato conhecido de que árabes, em especial os libaneses, se alegram muito com uma família numerosa.

A escolha dos nomes dos dois últimos filhos foi em homenagem a pessoas ilustre Oraida, foi em homenagem a avó de sua esposa. Já Churchil se deu em homenageam ao estadista britânico general Winston Churchil, que ajudou a derrotar as forças alemãs na segunda guerra mundial.

Sua esposa infelizmente faleceu aos 35 anos, após complicações do parto e a criança, que havia recebido o mesmo nome da mãe faleceu seis meses depois. Este fato se deu na primeira casa adquirida pelos Tuffi na Av. Cel. Francisco Guimarães esquina com a Rua Nossa Senhora Aparecida.

Sr. Tuffi nunca casou-se novamente, e certamente enfrentou muitas dificuldades para criar todos os filhos na ausência da esposa. Sua filha Dulce comenta

" - Meu pai foi um herói! Lutou muito sozinho. Era super protetor e carinhoso. Se dedicou totalmente aos filhos". (4)


Jovens de Cedro do Abaeté na década de 60. A primeira a esquerda é Claudina, filha do Sr. Tuffi. 

O Café:

Durante o governo de Getúlio Vargas, houve um surto de produção cafeeira no país uma vez que Vargas incentivou a produção cafeeira para superar as consequências da crise econômica de 1929. Criou, em 1931, o Conselho Nacional do Café, que adotou como política a compra e estocagem da produção para poder controlar os preços. Por isso, dedicando-se à agricultura, Tuffi plantou café em sua propriedade situada na margem direita do Córrego Grande em Cedro, terras estas ainda pertencentes a família.

"- Meu avô amava a terra, que é considerada sagrada pelos libaneses." (4)


Fazenda Córrego Grande, de Tuffi Alexandre. Mapa de 1970. IBGE. 


Participaçao na emancipação:

Segundo o historiador e ex-vereador cedrense Carlos Ribeiro de Andrade (Carlito), o Sr.Tuffi foi o primeiro funcionário responsável por toda a escrituração da Prefeitura sob a administração do intendente Sr. Joaquim Rodrigues de Faria no período de 02 de Março de 1963 a Outubro do ano corrente. Também, quando da sessão solene de instalação do município, o Sr.Tuffi estava presente assinando a ata juntamente com o seu filho Winston Churchil Alexandre Ribeiro. Após a emancipação política de nosso Município, as filhas Dulce Ribeiro e Oraida também vieram a trabalhar na Prefeitura Municipal. (5)

Mudança para Abaeté:

Com a queda do preço do café, Tuffi transfere-se para Abaeté. Comprou uma casa na cidade e alugou o antigo Hotel Andrade, a partir de 1962. Porém, manteve sua fazenda em Cedro, que ainda pertence à família. Na fazenda ele tinha suas plantações de grãos, criava cavalos, cabritos e ovelhas, animais típicos da região do Líbano. Dedicou-se ao ramo hoteleiro até seu falecimento. (4)


Hotel administrado por Tuffi Alexandre, em Abaeté -MG. 
 
Personalidade: 

Sr. Tuffi, segundo as filhas, gostava de música árabe, e frequentemente as cantava logo pela manhã ao acordar, nunca esquecendo sua lingua materna. Possuía uma coleção de discos em árabe. Também gostava de ler e atualizar-se das notícias do Brasil e do mundo, mas principalmente do Líbano. 

"- Meu pai comprava jornais, revistas, seleções, biografias como a de Perón, Romances, clássicos como os de José de Alencar, Machado de Assis. Assim ele nos instruía". (4)

Bechara Alexandre:

Como Bechara permaneceu no Líbano alguns anos após seu irmão se transferir para o Brasil, viveu todas as grandes dificuldades que a nação libanesa passou nas primeiras décadas do século XX até a deflagração da I Guerra Mundial. Depois de 1909, o alistamento militar dos cristãos imposto pelas dificuldades militares e políticas do Império Otomano, complicou a crise humanitária. Os soldados muçulmanos impunham um rude tratamento aos soldados cristãos e isso determinou a emigração de milhares de cristãos para não serem submetidos e esse regime. Foi neste contexto que em 1914, Bechara, servindo ao exército Turco-Otomano, sofreu ferimentos em um combate. Ajudado por seus companheiros militares, foi embarcado ainda ferido em um navio cargueiro com destino ao Brasil Chegando ao Rio de Janeiro foi recebido por seus familiares e seu irmão, que vivia com os tios em Oliveira.

Bechara provavelmente acompanhou o irmão, vivendo também estes anos em Oliveira-MG. Após a transferência de Tuffi para o povoado do Cedro, o sr. Bechara o acompanha, morando nesta cidade sendo também um dos primeiros colonizadores e precursores da história cedrense. (4)

Casamento e descendência:

Conhece sua esposa Derfa na cidade de Quartel Geral e casam-se constituindo com ela sua família que incluem os filhos Ivany, Tarcísio, Maria José, Neves e Lúcia.

" - No carro de bois trabalhou por toda a vida, no gamelão (fazenda do Nicão). Levava madeira para o rio São Francisco." (6)

O região do Cedro era rica em Matas como a dos 3 córregos, do Careta, do Gamelão. Nas décadas de 30 e 40 uma das principais atividades da região era o corte de madeiras nobres para venda nas cidades vizinhas e distantes, a fim de atender a indústria moveleira. Após o corte, as madeiras eram condicionadas em carros de boi que seguiam no antigo caminho que ligava o gamelão ao Quartel Geral, daí em direção a Dores do Indaiá ou Martinho Campos, onde ficava o porto das Andorinhas, local de travessia do Rio São Francisco. Depois essas madeiras atendiam grandes cidades como Belo Horizonte. A viagem durava três dias de ida e dois dias de volta, como atesta o senhor José Moizinho (Zé Raso).




Ivany e sua mãe Derfa, em Cedro do Abaeté - MG.

Bechara trabalhou muito, criando seus filhos, e contribuindo para a economia e desenvolvimento do Cedro. Senhor Bechara tinha o sotaque árabe carregado e muitas vezes, quando crianças, os filhos tinham dificuldade de entender algumas palavras do pai, até se acostumarem.


Relatório de 1915, da secretaria de Viação de MG, destacando as matas da região onde hoje é Cedro do Abaeté.

Casa onde viveu a senhora Derfa, esposa de Bechara. Na rua dos Garimpeiros, em Cedro do Abaeté.

Em seus últimos treze anos de vida, já com a saúde debilitada, acabou tendo problemas de  locomoção. Adquiriu uma cadeira de rodas, doação do senhor João Ribeiro de Andrade (Joaosinho Inácio) que ajudou em muito sua mobilidade. Muitas pessoas se recordam de sua filha Ivani conduzinho o pai com cuidado pelas ruas do Cedro. (5)

Notas: 

1- O legado dos irmãos libaneses

A história destes imigrantes deve ser valorizada, uma vez que se constituem de pessoas que com o seu trabalho contribuiram para o desenvolvimento de nossa cidade. Há que se admirar também a coragem, abnegação, e espírito de serviço destes homens que, saindo de sua terra distante, não exitaram em recomeçar suas vidas sem perder os laços com suas origens.

2 - O cedro do líbano

O Cedro do Líbano é uma gimnosperma pertencente ao gênero CedrusNos tempos antigos, o Líbano era coberto por grandes florestas de Cedro, o emblema nacional do país. A importância do cedro-do-líbano em diversas civilizações clássicas compreende-se pela diversidade de usos possíveis. A sua madeira homogénea e aromática, foi bastamente utilizada na antiguidade, pelos Fenícios para construir as suas embarcações militares e comerciais, bem como para a construção de templos e habitação. É citado 75 vezes na Bíblia, tendo sido utilizado para a construção do Templo de Salomão em Jerusalém, bem como os Palácios de David e Salomão .Essa árvore cresce devagar, mas alcança uma grande altura, sendo considerada uma das maiores árvores, podendo chegar a 40 metros. Uma curiosidade sobre essa árvore é que, nos primeiros 3 anos de vida, a raiz dela chega a quase 2 metros de profundidade, mesmo que sua altura esteja em cerca de 5cm nessa época. Somente quando sua raiz está bem fundamentada e segura, a árvore começa a crescer em altura, por isso diz o salmista: 

Salmos 92:12: O justo florescerá como a palmeira; crescerá como o cedro no Líbano”. 

O cedro brasileiro não deve ser confundido com o cedro do Líbano. O nosso cedro pertence ao gênero Cedrela, um gênero de plantas da família botânica Meliaceae. NBrasil a espécie Cedrela fissilis é conhecida como cedro, cedro-rosa ou cedro-batata e a Cedrela odorata como cedro-cheiroso, cedro-rosa, cedro-espanhol ou cedro-mogno. 

Algumas Igrejas construídas com madeira de cedro: A Igreja do Santo Sepulcro em Jerusalém, a Igreja da Natividade, em Belém, a Igreja de Tiro, no Líbano (onde São Paulo rezou), a Igreja Real de Santa Maria em Jerusalém, a Igreja de São Paulo, em Roma. 


Bandeira do Líbano. 

Bandeira de Cedro do Abaeté. Notar a árvore de Cedro representada como um Cedro do Líbano e não o Cedro da espécie encontrada no Brasil. 



Cedro do Líbano, no Monte Líbano. Notar que a região neva no inverno. 

3- Parentesco da esposa do Sr. Tuffi Alexandre com os Ribeiro de Andrade de Cedro do Abaeté:

Uma descoberta interessante do genealogista Carlos Ribeiro de Andrade (Carlito). A esposa de Tuffi Alexandre, Iracema Ribeiro tinha parentesco com um dos fundadores do Cedro, o sr. Ignácio Ribeiro de Andrade e também com a esposa deste a Sra. Francisca Cândida Teixeira.

Ribeiro: Tanto Ignácio Ribeiro de Andrade (patriarca dos Ribeiro de Andrade em Cedro do Abaeté) quando Iracema Ribeiro esposa do Sr. Tuffi eram descendentes do Alferes Antônio Ribeiro da Silva. Ele veio da freguesia de São João da Amarante, Arcebispado de Braga, Portugal. Faleceu em 18/12/1776 em São João Del Rei - MG.

Teixeira: Francisca Cândida Teixeira era esposa de Ignácio Ribeiro de Andrade. Ela era filha do também imigrante português Antônio José Teixeira. Já o pai de Dona Iracema foi o Sr. José Antônio Teixeira Junior, casado com Malvina Augusta Teixeira. A Avó de Dona Iracema chamava-se Oraida Augusta Teixeira, casada com o Sr. Joaquim Inácio Ribeiro da Silva (o Quinca Inácio).

Fontes:

1- https://www.nexojornal.com.br/estante/trechos/Sirio-libanesa-no-Brasil

2 - http://www.localiban.org/salima-baabda-4161

3 - http://academiafriburguensedeletras.blogspot.com/2016/01/d-pedro-ii-no-libano.html

4 - Reportagem do professor Valério Gabriel sobre a história de Tuffi Alexandre, para o "Nosso Jornal", Abaeté-MG.

5 - Carlos Ribeiro de Andrade (Carlito). Livro " Família Ribeiro de Andrade - Raízes do Centro Oeste de Minas Gerais". Primeira Edição.

6 - Entrevista com a Sra. Ivani Alexandre.



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