A HISTÓRIA DE ELIAS NAGÔ E O DIAMANTE DE 3 OITAVAS E 2 VINTÉNS (50 QUILATES) DO PORTO DOS PINTORES - RIO INDAIÁ (CEDRO DO ABAETÉ-MG)




Slave of Minas Gerais - Charles Landseer / 1831.





No fim de 1808, um escravizado de José Francisco Velloso chamado Elias Nagô* garimpava no Porto dos Pintores (atualmente município de Cedro do Abaeté-MG) sob o olhar atento do feitor. Iniciada um ano antes, com a maioria dos escravizados vindos do Tejuco (Diamantina), a Real Extração Diamantina do Rio Indaiá e Abaeté explorava estes locais com o objetivo de encontrar os brilhantes para engrossar o Erário Régio. (1)

Havia chegado o tempo das chuvas no Indaiá e Elias estava lavando o cascalho junto de dezenas de outros escravos alugados de seus senhores pelo governo.

A Real extração funcionava da seguinte maneira: no tempo da seca o cascalho era retirado e agrupado aos montes (paióis). Na estação chuvosa esse cascalho era lavado. No Indaiá o Rio havia sido cercado em dois locais para a retirada do cascalho: no Porto dos Pintores e duas léguas acima na "Cachoeira Seca". (2)

Em uma dessas lavagens Elias encontrou um grande diamante de 50 quilates (3 oitavas e 2 vinténs). A notícia logo chegou aos ouvidos do Intendente de Vila Rica. Com apenas este diamante seria possível pagar todas as despesas da extração segundo o Dr. Diogo Pereira de Vasconcelos (então caixa do Quartel Geral do Indaiá).

Era costume vindo do Tijuco que os escravos que descobriam os diamantes e os entregavam ao feitor, recebiam bônus dependendo do tamanho da gema. Esses bônus iam desde a alforria, para diamantes acima de 17 quilates e meio, até roupas e alimentos para pedras menores. (3) Portanto, Elias iria receber a alforria por ter sido protagonista deste importante achado. Para que isso se concretizasse, ele foi levado no dia 02 de janeiro de 1809 ao Quartel Geral do Indaiá (atual cidade de Quartel Geral), sendo avaliado em 160 mil réis na presença do Dr. Diogo, além do Administrador da Tropa Diamantina do Abaeté: José Nunes de Carvalho e de José Francisco de Sales, nomeado pelo Capitão Antônio José Alves Pereira como procurador do "proprietário" do escravizado, o sr. José Francisco Velloso.




Segundo as observações de Eschwege em uma extração de diamantes no Serro do Frio, diz o seguinte:

"Tenha o escravo, porém, a felicidade de achar um diamante de mais de dezessete quilates e meio, é logo enfeitado de grinaldas de flores e conduzido em alegre procissão até a administração. Esta lhe concede a alforria, que é paga ao dono pela Caixa. O negro, além da liberdade, recebe vestimentas novas, e autorização de trabalhar por conta própria. Caso o achado seja de oito a dez quilates, receberá camisas novas, um fato completo, um chapéu e uma boa faca, que tambem constitui recompensa pela descoberta de diamantes menores". (4)

José Francisco aparece nas listas de 1807 serviço do Indaiá como sendo proprietário de 02 escravizados. Pela descoberta de Elias, ele provavelmente foi ressarcido deste valor em troca da liberdade daquele, que foi friamente avaliado como uma mercadoria.




Desenho do Diamante encontrado por Elias. 1809.





Abaixo, o termo de avaliação de Elias.





Termo de avaliação de Elias Nagô escravo de José Francisco Vellozo que achou o diamante de três oitavas e dois vinténs - Fonte: Arquivo Público Mineiro





Transcrição do termo:

"Aos dois dias do mês de janeiro de mil oitocentos e nove annos neste Quartel Geral do Indaiá, o Caixa da Contadoria da Extração Diamantina do Abaethé ou Nova Lorena, onde se achava presente o Caixa da mesma Doutor Diogo Pereira Ribeiro de Vasconcelos, e o Administrador da Tropa Diamantina do Abaeté José Nunes de Carvalho nomeado por ele Caixa de parte da Real Fazenda, e o cabeça da dita Tropa José Francisco de Sales nomeado pelo Capitão Antônio José Alves Pereira, procurador de José Francisco Veloso senhor do escravo Elias Nagô que achou o diamante de três oitavas e dois vinténs. A fim de o avaliaram para sua alforria na forma da lei e ordens e sendo este examinado por eles o referido escravo Elias Nagô, disseram debaixo de juramento que lhes foi deferido pelo mesmo caixa, que o avaliarão em cento e sessenta mil reis. E de como assim o avaliarão, lavro este termo em que se assegura o dito Caixa e avaliadores comigo. Mateus Alberto de Souza Oliveira e Castro Escrivão da Caixa e Diamantes que a serviços declaro que também assinou o procurador".


Detalhe dos jornais da escravatura da Real Extração. Vellozo aparece como proprietário de 03 escravizados, a saber, João Congo, Elias Nagô e Antônio Camundongo.



A alimentação dos escravos que trabalhavam no garimpo consistia em milho, canjica, feijão, farinha e sal. Além disso, não poderia faltar o fumo.


Cachimbo angular encontrado às margens do Rio Indaiá - provavelmente utilizado pelos escravos.



Trecho da Carta de Dr. Diogo ao Governador Pedro Maria Xavier de Ataíde e Mello em que diz "um só serviço pode pagar dez, como a experiência acaba de confirmar com o diamante de três oitavas e um vintém extraído no Rio Indaiá no serviço dos Pintores".






Karte von Ost-Brasilien, Barão de Eschwege (1831). Ao centro, vemos o porto dos Pintores, margem direita do Indaiá, local de garimpo e de um destacamento militar.


A extração teve vida curta: 16 meses. O saldo total foi de 22 oitavas e 6 vinténs de diamante, enviados para Vila Rica com Antônio José Alves Pereira (totalizando 695 diamantes). Foram 243 escravizados trabalhando em abertura de estradas, em tropas de bestas, roças e provisão.
Notas: Nagô era uma forma genérica de se chamar qualquer negro escravizado, comerciado na antiga Costa dos Escravos e que falava a língua Iorubá.


Fontes:


1- Arquivo Público Mineiro - Seção Colonial. Livro do Ofícios


2 - História de Abaete - José de Oliveira

3 - A Real Extração: Historiografia e debate. Samuel Partson.


4 - Barão de Eschwege, Pluto Brasiliensis.

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