ANTÔNIO ZACARIAS ÁLVARES DA SILVA - BICENTENÁRIO DO BARÃO DO INDAIÁ.
Certos homens com seu empreendedorismo deixam um rastro de civilidade e desenvolvimento. Antônio Zacarias é um destes, sem o qual é impossível entender a geografia destas terras do sertão da Marmelada e além.
Hoje comemora-se tanto o aniversário de emancipação de Abaeté-MG quanto o bicentenário deste ilustre que nasceu na cidade de Pitangui em 05 de novembro
de 1821, filho legítimo do Guarda Mor e Major Antônio Álvares da Silva e D. Ana
Felisberta de Oliveira Campos Castelo Branco (filha do irmão de
Dona Joaquina do Pompéu, Capitão Agostinho de Abreu Castelo Branco). Antônio
tinha a alcunha de Lili entre os familiares e assim assinava suas cartas para
amigos.
O Casamento
Em 15 de maio de 1847, casou-se com
Dona Isabel Carolina Ordones da Cunha Lara (ou da cunha
Sampaio, sobrenome de sua avó), filha do Major José de Deus Lopes e de sua mulher
D. Joana Helena de Sá e Castro. Nesta época o Barão morava em Abadia, então
distrito de Pitangui e hoje cidade de Martinho Campos. Quando do inventário do
seus sogros, em 10 de abril de 1848, outorgou uma procuração pública para se
fazer representar, declarando ainda ser morador de Abadia.
A mudança para a fazenda
De 1853 em diante o Barão aparece como
residente no distrito da Marmelada. Dr. José de Oliveira, o “Heródoto”
abaetense, defende que certamente teria se mudado antes disso, para que
houvesse tempo hábil para criar a necessária influência que o elegeria vereador da
Câmara da nova Vila de Dores do Indaiá, eleições realizadas em 23 de Julho de
1854. Ele veio para assumir o controle da Fazenda de Sant'Anna, gigantesca
gleba de 14 léguas cuja sede localizava-se a 18 quilômetros (3 léguas) da
atual cidade de Abaeté, e que ficou de pé até 1962.
Já era presidente da câmara municipal de Dores do Indaiá quando em 21/07/1864, o Distrito (Capela) do Marmelada é elevado à freguesia: Nossa Senhora do Patrocínio do Marmelada, pelo grande Bispo de Mariana, D. Antônio Ferreira Viçoso.
A fazenda foi herança que ficou após litígio do inventário do seus sogros, o Major José de Deus Lopes, Furriel do Quartel Geral
do Espírito Santo (hoje cidade de Quartel Geral-MG). Agora, com Antônio
Zacarias sob controle dos negócios a fazenda se consolidou como núcleo agrícola
da região, podendo equiparar-se com o núcleo do Pompéu enquanto rota onde autoridades eram recebidas com a costumeira hospitalidade que ainda se preserva no interior
mineiro.
A fazenda era um dos últimos pontos de referência nos limites entre Minas Gerais e Goiás. Viajantes que passaram por ali, como o naturalista alemão G.W. Freireyss, em 1814, informa em seu livro "Viagem ao Interior do Brasil" que, para oeste, depois da Fazenda não se encontrava "nenhuma habitação". Poderia então entender-se a fazenda como núcleo civilizatório da nossa região, principalmente político.
O empreendedor
O Barão era um bom administrador. Prova
disso é que prosperou e enriqueceu exercendo em suas terras (que não se limitavam à Sant'Anna) suas duas principais
atividades: a fabricação de açúcar e aguardente. Em 1887 possuía canaviais capazes de produzir 3.000 arrobas de açúcar. Plantava também o café, tendo 157.000 pés no mesmo ano. É fato que como homem do
seu tempo, valeu-se de mão de obra escrava, capítulo da tragédia que foi o cativeiro
no Brasil. Também criava cavalos e gado vacum.
As terras do Barão se conectam diretamente com a história de Cedro do Abaeté-MG. Suas enormes extensões fazem-nos atestar que muito do que hoje é município do Cedro pertenceu ao Barão e aos descendentes do seu sogro. A fazenda Pasto do Rei foi vendida por um desses descendentes ao meu trisavô Ignácio Ribeiro. A região do Gamelão também. Ainda hoje muitas terras no Cedro levam em sua escritura o nome "Comum de Sant'Anna". Isso se deve ao fato do Major José de Deus Lopes ter sob seu comando o presídio de Sant' Anna, pequeno destacamento militar que ficava nas cercanias de onde hoje é o nosso município desde 1790. Como praticamente não havia moradores nesta localidade, o Major se estabeleceu como fazendeiro após a decadência da real extração diamantina dos rios Abaeté e Indaiá.
Outro fato interessante é atestar a participação que o Barão tinha na propriedade da fazenda "Cubatão e Careta - de cultura e campos". Notem a extensão destas terras:
"Principiam as divisas da fazenda demarcando na cabeceira do córrego Muchôco, defronte a fazenda da Garça e daqui seguindo pela estrada do Quartel Geral, águas vertentes para a esquerda, até a cabeceira do Pasto do Rei, d'ahi em rumo a cabeceira de um sacco de campo denominado de José Bernardes (...) d'ahi atravessando o córrego que passa no fundo do quintal em linha reta ao espigão onde existe uma estrada que sobe para o córrego das Pedras, por esta estrada acima águas vertentes para a esquerda, até o alto da Serra, onde existe um cruzeiro, d'ahi até a Barra do Marmeladinha, subindo pelo espigão mestre e dobrando até o córrego denominado Carêta, por este acima e suas vertentes do lado direito até a cabeceira, e desta até a Pedra Minina, desta voltando pelo espigão mestre abaixo até a Barra do Marmeladinha (...) d'ahi descendo até a cabeceira do Muchôco".
Em sua passagem por Abaeté a caminho da jazida de Galena do Rio Areado (hoje Patos de Minas), Francisco de Paula Oliveira, um dos ilustres alunos da Escola de Minas de Ouro Preto, comenta a seguinte passagem sobre a Sant'Anna em 1880:
Ele ainda atesta que:
“No município da Marmelada há 23.162 almas, a maior parte dedica-se à lavoura. Muito raros são, no entanto, os criadores".
Em 1886, investe em um grande empreendimento, a fábrica de tecidos da
Vista Alegre, nas margens do Marmelada, entre as atuais fazendas do Capão Alto
e das Lajes, a seta léguas da cidade, que pertenciam em 1970 aos herdeiros de José
Gabriel Sobrinho. Devido ao local ter quedas e corredeiras, o barão se associou
aos sobrinhos e genros Antônio Feijó Alves da Silva e Dr. Amador Álvares da
Silva para aproveitar os ditos desníveis na movimentação de maquinário uma fábrica de tecidos.
As terras foram compradas, uma represa foi construída bem como foi feito um rêgo de uma
légua de extensão, desde a represa até o local escolhido para a fábrica. Também
edificaram um prédio de 32 metros por 18, adquiriam os maquinários necessário e
os transportaram com imenso trabalho até o local. A instalação da fábrica foi amplamente divulgada em periódicos de Minas e Rio de Janeiro.
A pesada turbina, não chegou a ser assentada, descendo nas barcas do Sr. José de Almeida até o Porto
das Andorinhas. Encalhada, ali ficou à beira do São Francisco até desaparecer desfeita em
pedaços.
O líder político
A liderança política na época se fazia muito a partir do poderio econômico que tinha o partidário, bem como de suas influências. Com o Barão não foi diferente. Tendo vários escravos, agregados e afilhados, tornou-se lider incontestado no distrito da Marmelada, posição que o fez assumir com grande ímpeto a responsabilidade pela independência e crescimento do lugar.
Era presidente do partido Liberal. A ideologia do partido propunha a defesa dos interesses dos senhores rurais e das camadas médias urbanas sem compromissos diretos com a escravidão. Com base de apoio nas províncias do centro-sul do país, tinha como grande rival o Partido Conservador, o qual defendia a manutenção da dominação política das elites escravocratas rurais. Com a criação do Novo Partido Liberal em 1868, passou a defender um programa político que não se restringia à questão da centralização do poder, defendendo temas como a abolição da escravatura e eleições diretas.
Um breve resumo da trajetória política do
Barão é visto a seguir:
1861-1864: Presidente da Câmara
Municipal de Dores do Indaiá.
1869: Inicia a campanha pela emancipação da Marmelada, tendo êxito em 1870. Transfere-se a sede da vila de Dores do Indaiá para Abaeté "Dores do Marmelada". Maior que muitos países europeus, a Vila de Nossa Senhora das Dores do Marmelada tinha quase dezessete mil e setecentos quilômetros quadrados e oito distritos, dentro os quais faziam parte as atuais municípios de Paineiras, Biquinhas, Morada Nova, Cedro, Quartel Geral, Dores do Indaiá, Tiros, São Gonçalo do Abaeté e São Gotardo
1873-1880: Primeiro presidente da Câmara Municipal (cargo equivalente ao de Prefeito hoje). No dia 05 de novembro de 1877, a Vila foi elevada à categoria de Cidade.
1881: Transfere o cargo de Presidente
da Câmara a seu filho homônimo (Dr. Nico), conservando a liderança política,
porém se retirando de cargos públicos exceto o de inspetor escolar.
1883: Nomeado inspetor escolar do município.
A influência do Barão se expandia para
além do Rio Indaiá, uma vez que o distrito de Tiros pertencia ao município de
Abaeté. É possível notar isto em uma de suas cartas, onde diz:
“Fiz segunda carta ao Martinho Contagem
a respeito das pontes e estrada para o (rio) Areado e que ao menos nos desse
quota para a (ponte) do Marmelada, e êle respondeu-me que tomaria no devido
interesse os negócios do Marmelada”.
Vários de seus descendentes tornaram-se também importantes líderes
políticos da região, a exemplo dos filhos Frederico Zacarias Álvares da Silva
(conhecido por "Sinhô") e Antônio Zacarias Álvares da Silva
(conhecido como Dr. Nico, que era médico e foi deputado federal, tanto no
reinado de Dom Pedro II, como no início da República).
O título de Barão
Durante o reinado de
D. Pedro II do Brasil adquiriu, o título de barão, que foi-lhe concedido em 2
de agosto de 1879, como Barão de Indaiá, de acordo com decreto do ministério
imperial datado de 19 de julho daquele ano. Até então ele era coronel da Guarda
Nacional. Para obter este título nobiliário, foi preciso um pagamento de
trezentos mil réis de selos mais cem mil réis de emolumentos recebidos em 17 de
setembro de 1879. Uma curiosidade é que a carta diz "Barão de Indaiá"
e assim ele assinava, apesar do povo o chamar até hoje de Barão do Indaiá.
O homem por detrás
do baronato
Diz-se que o barão era "alto, um tanto magro, de cabelos grisalhos, barba e bigodes crescidos, andar mole, voz grossa e forte. Além disso, um homem simples e afável. Tinha o hábito de chamar qualquer pessoa, rico ou pobre, de "bicho". Como costume geral naquela época, gostava do seu gole de cachaça. Nos autos do seu inventário, se encontram diversas faturas de fornecimento de gêneros expedidas por comerciantes de Abaeté. Uma em especial chama a atenção: de 07 de janeiro de 1900 a 21 de novembro do mesmo ano, consta de 127 parcelas sendo 76 delas garrafas de cachaça, procuradas de uma em uma, ou aos pares, vindas do negociante Antônio Pedro de Melo Castro.
Vivia ora na fazenda
e ora em sua casa no Largo da Matriz, chamada de “Casa da Botica” onde comemorou com fogos de artifício e uma festa a notícia da
eleição de seu filho Dr. Antônio Zacarias para deputado federal em 1900.
Tinha a virtude da laboriosidade, como se pode
notar em seu empenho em frequentar as reuniões da Câmara (chegando para isso a
abreviar alguns tratamentos médicos, imbuído do desejo de regressar às suas
obrigações políticas), e sempre justificar suas faltas.
Esteve em pelo menos uma ocasião no Sul de
Minas, para tratar-se com águas medicinais. De lá, não descuidou de seus
afazeres e mantinha correspondência com seus aliados. De Baependi, onde esteve
depois de passar por Caxambu, escreve para seu genro Ezequiel:
“Vou passando bem e ontei notei que a ceroula já apertava-me a barriga, tendo em proporção engordado as pernas e nutrido também o rosto: enfim, estou com esperança de voltar a 28 dêste, bem forte, e em 15 dias estaremos em casa, se Deus quiser, sendo um dia para a falha e 14 para a viagem, em marchas pequenas, visto já ser em tempo de chuva. Já mandei vir do Rio “cavour” de goma impermeável, botas, e comprei caçambas largas para a viagem”
Contendas de Baependi, 6 de outubro de 1878.
Nos seus últimos
anos, fazia o percurso da fazenda até a cidade em um trole.
O barão não era um homem de prática religiosa, porém diz-se cristão em seu testamento e suas últimas palavras foram uma invocação à Virgem Mãe de Deus :
- Ave Maria; disse
ele!
Descendência:
Com sua esposa teve os seguintes filhos:
01- José Zacarias Álvares da Silva, batizado a 22-09-1848.
02- Policena Carolina Álvares da Silva, casada com Coronel Jacinto
Álvares da Silva (Jacinto Cipó), filho do Coronel José Luís Álvares da Silva
(José Luís dos Guardas), e de Maria Carolina Álvares da Silva.
03- Adelaide Álvares da Silva, casada com Antônio Feijó Álvares da
Silva, seu primo, filho de Antônio Álvares da Silva, irmão do Barão do Indaiá e
de Cândida Soares de Faria Branco.
04- Belchiorina Carolina, casada com Theófilo Álvares da Silva (Theófilo
Sant’Ana), filho do Capitão Joaquim Antônio Álvares da Silva e de Joana
Evangelista de Oliveira Campos.
05- Narciso Álvares da Silva, casado com Joana Álvares da Silva, filha
de Franklin Álvares da Silva e de Josefina Álvares da Silva.
06- João Zacarias Álvares da Silva, casada com Isabel Álvares da Silva,
filha de Teófilo Álvares da Silva (Teófilo Santana) e de Belchiorina Álvares da
Silva.
07- Isabel Carolina Álvares da Silva, casada com o Desembargador Amador
Álvares da Silva, filho de Antônio Alvares da Silva e de Cândida Soares de
Faria Branco.
08- Frederico Zacarias Álvares da Silva, falecido solteiro. Era
universitário de Medicina.
09- Antônio Alípio Álvares da Silva, casado com Joana Helena, filha de
Teófilo Álvares da Silva (Teófilo Santana) e de Belchiorina Álvares da Silva.
Sem filho.
10- Jáder Alvares da Silva, falecido solteiro.
11- Josefina Carolina Alvares da Silva, casada com Franklin Alvares da
Silva, filho do Capitão Joaquim Antônio Álvares da Silva e de Joana Evangelista
de Oliveira Campos.
12- Faustina Carolina Álvares da Silva (Mãe Titina), casada com Theófilo
Ezequiel de Oliveira Campos, filho do Capitão Joaquim Antônio Álvares da Silva
e de Ana Jacinta de Oliveira Campos.
13- Dr. Frederico Zacarias Álvares da Silva, Advogado e Professor n. a
19-06-1888 e falecido solteiro, em 06-02-1936.
14- Dr. Antônio Zacarias Álvares da Silva (Dr. Nico), médico, n. a
06-09-1847 e f. a 30-10- 1905, em Dores do Indaiá. Deputado à Assembleia
Provincial de 1878, Prefeito de Abaeté em 1890, Deputado ao Congresso Nacional
de 1897 a 1905, casada com Balbina Álvares de Souza e Silva, natural de
Pitangui, viúva de Francisco Alves de Filgueira Campos.
NOTA: Balbina de Souza e Silva foi casada a primeira vez com Francisco
Alves de Filgueira Campos, com quem teve uma filha de nome Azejulia de Souza e
Silva. Azejúlia de Souza e Silva foi c. c. o Dr. Jacinto Álvares da Silva, os
pais do Ministro Dr. Francisco Campos (Chico Campos).
15- Cornélia Alvares da Silva, casada com João Correa de Souza.
É fundamental a valorização da história do local. Infelizmente ainda não há um arquivo organizado para pesquisa sobre a vida deste personagem, que reúna documentação, fotografias e objetos. Uma proposta é que os familiares e cartórios digitalizem e compartilhem cada vez mais estes registros, até que o poder público se interesse por eles.
1-Gilberto Cézar de Noronha (jul.–dez. 2012). «Das relações de poder no oeste de Minas Gerais». OPSIS, Catalão.
6- Oliveira, F. P.; Annaes da Escola de Minas de Ouro Preto, 1881
7- Https://abaete.mg.gov.br/cidade-abaete-mg/
8-Freyress, G.W. Viagem ao Interior do Brasil nos anos de 1814 a 1815.
Excelente texto Dr! Parabens pelo empenho e dedicação em resgatar estes fatos antes que se percam para sempre!
ResponderExcluirObrigado, amigo!
ExcluirMagnífico! Parabéns por cada detalhe retratado no texto. Parabéns
ResponderExcluirMuito obrigado, amigo!
ExcluirSensacional. Parabéns!
ResponderExcluirObrigado!!
ResponderExcluirDescobri aqui que o Barão tinha um filho com nome igual!
ResponderExcluir