HISTÓRIA DO QUARTEL SÃO JOÃO.

A região do distrito do município de Quartel Geral chamada de Quartel São João, é um dos pontos mais altos da Serra da Saudade, e oferece ampla e belíssima visão do Vale do Indaiá e adjacências. Foi devido a esta localização que por volta de 1791 se instalou ali uma casa de guarda, com um pequeno destacamento de militares para fiscalizar e impedir o fluxo de garimpeiros de diamantes para o rio Indaiá.



Foto de Fabrício R. Santos - Rio Indaiá visto do QSJ. 

A fundação do Quartel: 

O destacamento ou quartel de São João da Boa Vista foi construído por ocasião do descobrimento de diamantes nos rios Indaiá e Abaeté. Desde 1760 que a Coroa Portuguesa sabia dessas riquezas em nossa região, mas somente quase 30  anos depois iniciaram-se os trabalhos de pesquisa e guarda para impedir o afluxo de garimpeiros ilegais. Por isso, foram sendo construídos residências simples que serviam de destacamento para as tropas de cavalaria. A base da Cavalaria regular nessa região era o Quartel-Geral do Indaiá (construído em 1791, ampliado em 1801) ao qual pertenciam os presídios de Santana (nas cercanias de Cedro do Abaeté, próximo a fazenda Santa Ana), Palmeiras, do Ferreiro, Argões (ou Aragões), Assunção (abaixo do da barra do ribeirão dos Tiros) Cachoeira Mansa (ou Bonita) e São João da Boa Vista (este entre as cabeceiras do ribeirão dos Veados e do ribeirão Marmelada - atualmente chamado de Quartel São João). (2)

A passagem de Viajantes:

O naturalista Dr. José Vieira Couto foi encarregado pelo governo português, em 1800, de estudar a zona dos rios Indaiá e Abaeté e informar o resultado que se poderia tirar do seu lavor. Ele percorreu aquele sertão, ao qual denominou de Nova Lorena Diamantina, em homenagem ao governador da capitania, D. Bernardo José de Lorena. Graças a um manuscrito que deixou, posteriormente publicado, sabemos o que o Dr. Couto viu naquela ocasião. De fato, foi um sertão pouco povoado, de natureza peculiar. 

Vieira Couto se surpreende com o verdete. A comitiva composta de aproximadamente 80 pessoas descansou no quartel de São João quando passou por ali. Essa viagem ocorreu em 1800. (2)


Quando Wilhelm Ludwig von Eschwege (* 1777 –  1855), militar, engenheiro e naturalista alemão passou neste local, em 1812, descreveu que a região era ocupada por soldados, pois por ali passavam os regimentos de cavalaria. Os soldados escolhiam o lugar em que gostariam de ficar pois possuindo algum dinheiro por ocasião da baixa, ali se estabeleciam e contraiam casamento". (1) Com a rápida decadência do garimpo, a coroa perdeu o interesse na região, porém aquela movimentação de tropas estimulou a incipiente produçao agrícola regional. (1)

Os mapas: 



Recorte da Carta da Nova Lorena Diamantina - Autor desconhecido - Feito em 1802.
É possível ver os quarteis São João, Quartel Geral do Indaiá e Quartel de Sta Anna.  (5)


Mapa da região compreendida entre a Mata da Corda e o Rio São Francisco
Feito por Joaquim José da Rocha - 1802. Em vermelho, o caminho saindo do Dávila após atravessar o São Francisco (atual Dores do Indaiá) passa pelo Quartel de São João e atravessando o Indaiá, dá com o Nau de Guerra em direção ao Rio Abaeté. A serra do Capacete aparece com o nome "Coatis". É possível ver o Marmelada nascendo próximo ao Quartel São João e se encontrando com o Córrego Careta mais adiante, que nasce no monte Pedra Menina. (5)


Mapa da região da Mata da Corda e o Rio São Francisco
Feito por Apolinário Caldas - início do Século XIX. (5)

A decadência: 

Em 1819, não restava nada além de ruínas daquela casa de guarda, devido a extinção do destacamento. Isso se deu após a interrupção da Real Extração Diamantina, em 1808, como podemos ver no seguinte documento transcrito, onde o soldado José Batista Franco faz um inventário do que restou dos Quartéis, sob ordens do Comandante do Destacamento do Indaiá, o Sargento-Mor José de Deus Lopes: 

"Em consequência da Ordem de 30 de Abril do Corrente Ano que me foi expedida por Vossa Magestade; mandei avaliar o Quartel de São João com (o) que nele se acha, cujo valor vai indicado na relação inclusa feita pelos "soldados" assinados na mesma. E informo à V. Magestade que o mencionado quartel é desnecessário uma vez que foi abolida a guarda ali destacada. Também participo à V. Magestade que além do quartel que serve para residência do comandante deste destacamento e outro que serve para os soldados aqui destacados, existem neste Quartel Geral mais duas casas. Uma que serviu de almoxarifado no tempo da extração abolida, e outro que serviu de residência ao escrivão da receita e despesa da mesma, aos quais se vão arruinando por não serem habitadas e são inteiramente desnecessárias, bem como o quartel de S; Anna, cuja guarda sendo também abolida se vai igualmente arruinando. E porque os soldados estacionados nas guardas de Pintores, dessa se acham inteiramente desabrigados por estarem em pequenos ranchos e muito arruinados de maneira que não poderão existir ali nas águas futuras, me persuadi que deveria representar a V. Magestade para que seja conveniente me mande ordem para fazer avaliar, "rematar"? as ditas casas, e o resultado delas, fazer-se quarteis para aqueles soldados, podendo-se remover a telha, portas e janelas do de Santana que fica com distância proporcionada para a fatura do de Pintores. Quartel Geral do Indaiá, 17 de Julho de 1819. José Batista Franco

Dizemos nós abaixo assinado que por ordem do comandante dos destacamentos do Indaiá fomos avaliar o Quartel de S. João da Boa Vista e com efeito avaliamos em nossas consciências o que nele se acham pelo valor indicado na presente relação:

por mil e duzentas telhas no valor de------ 6$000

5 portas iguais no Valor de 9$000

1 P. da Cozinha no Valor de $640

1 P. sem portadas que foi da varanda da frente por $600

1 Mesa de Gaveta sem fechadura por 1$500

1 Mesa sem gaveta por $900

1 Caixão de doze palmos de comprido 4 de altura, 3 de largo por 4$800

1 Banco velho por $300

12 tabas de tarimba por $960

2 Janelas muito podres por $640

2 Cabides por $320

2 feixaduras de porta 2$400

Somma total 28$060 "


Relação dos bens do Quartel de São João da Boa Vista,1819.  (5)


A segunda ocupação e o povoado atual:

Com a extinção do quartel, o local ficou esquecido até que um novo grupo de moradores forma um arraial, provalmente na década de 20 do século passado.

"Segundo os moradores mais antigos, tudo ali era "cerrado puro", cortado por uma estrada supostamente aberta por bandeirantes, que levava os viajantes ao Rio Indaiá, ao Araçá e à Fazenda do Sr. João Eloy.
Ao lado direito do “corguinho das pedreira” residia “Zuino Carlota” e logo abaixo Pedro Alves, pai de Antônio Alves, vulgo “Toim Alves”, e nas mediações a já aclamada fazenda do Sr. João Eloy.
Ante a religiosidade peculiar da época, as missas eram realizadas diretamente nas fazendas das mediações, sendo que o Monsenhor que as celebravam era levado por conta exclusiva dos fazendeiros da região.
Segundo o que contam os mais antigos, nessas idas e vindas o Monsenhor da época pediu aos fazendeiros João Eloy e Pedro Alves que doassem uma pequena porção de terra onde se construiria uma capela, a fim de que as missas fossem estendidas à todos que residiam na região.
Nesta época, residiam nas intermediações o Sr. João Alvim, Pedro Salvino, Justino, “Zuíno da Carlota”, Horácio, “Mané Coco”, “Pedro Cem”, “João Brisa”, “Maria Bananeira” dentre outros.
Feito o pedido, as terras foram doadas à igreja e com ajuda dos que ali viviam foi destocado o cerrado e erguida a primeira capela, feita de barro, madeira e sapé.
Quanto a São João Batista, esse foi aclamado padroeiro após a construção da capela, tendo-se em vista a devoção dos fazendeiros que doaram as terras para a sua construção que, além do terreno, doaram também uma imagem do Santo à igreja, imagem esta que até hoje guarnece suas dependências.
Como as missas foram unificadas nesta capela, construída nas proximidades da já citada estrada dos bandeirantes, andarilhos e pessoas que não tinham onde morar começaram a freqüentar mais as fazendas que circundavam o templo, onde trocavam serviços por comida e abrigo.
Com a construção de moradias pelos fazendeiros, começou então a surgir um pequeno comércio local, com figuras pitorescas da época como o açougueiro “Nico Cortador”, Vírgilio Tosta e “Juca Tudo”, que foi o primeiro farmacêutico da região, à época mais um curandeiro que se utilizava de raízes para curar os doentes. Outro farmacêutico da época foi Walter Moreira, advindo das intermediações do vilarejo do Gordura.
Um dos primeiros estabelecimentos comerciais que surgiu no local foi a venda do Sr. Bernardes Eloy, onde se comercializava alimentos, bebidas, secos e molhados em geral.
A economia do pequeno arraial, à época, girava em torno da pecuária, engorda de porcos e da agricultura nas lavouras de café e milho.
As negociações se davam por meio da venda ou troca de produtos, sendo muito comum se trocar trabalho por comida e hospedagem.
O beneficiamento de arroz, feijão, café e outros produtos agrícolas era feito pelos vários monjolos que existiam no local, movidos pelas vastas quedas d’águas existentes.
A idealização e construção da primeira escola no vilarejo ficou a cargo de Antônio Salvino, pois os estudos à época somente eram ministrados aos filhos dos fazendeiros, que por sua vez pagavam os “mestres” para alfabetizarem seus rebentos no âmbito de suas fazendas.
Com o crescimento do arraial, várias famílias ali se instalaram dentre as quais pode-se citar a Família Ferreira, Família do “Ovídio da Ponte Funda”, Família do “João Ermínio”, Família Líbano, Família Alcântara, Família Cunha, Família Rodrigues, Família Gonçalves, entre outras.



Mapa de 1939 mostra a região do Quartel de São João, o Campo Alegre e o caminho para o Pedra Menina/Fazenda Baixadão. Nessas décadas estes locais experimentaram um aumento populacional e intensa atividade agrícola, principalmente do Leite e derivados bem como da cultura do Café e outros grãos que abasteciam o mercado cidades como Dores do Indaiá e Abaeté. (5)

Com o passar do tempo, o arraial foi ganhando vida e se desenvolvendo, chegando ao ponto de ter cinco armazéns, duas farmácias, cartório, açougue, olaria, máquina de descascar (beneficiar) arroz e até uma jardineira que fazia o transporte dos moradores locais às cidades vizinhas.


Uma das casas mais antigas do QSJ. Atualmente em processo de restauro. Foto de

Nadja Simbera



Nesta época, os fazendeiros da cercania se juntaram no mês de junho para celebrar São João Batista, com queima de fogueiras, celebração de missa, quermesse, leilão de prendas dentre outros eventos, festa esta que se perfaz até os dias atuais e que é muito aclamada por todos que ali visitam.
Nesse ponto, acredita-se que a tradicional festa de São João Batista, no vilarejo de Quartel São João, seja até mesmo centenária. "


Igreja de São João Batista

Nos anos 70 e 80 a região sofreu com o êxodo rural, perdendo a maior parte de seus habitantes. Hoje nota-se muitas casas rurais abandonadas, relevo de um passado agitado, que ficou marcado pelos marcos das estradas carreiras ou nos níveis das antigas lavouras de café. Por outro, tem crescido o interesse pela história e biodiversidade do lugar, que é rico em diversos sentidos. Vida longa ao Quartel São João!

Fontes:

1- Brasil Novo Mundo, Eschewege.

2- Memórias sobre a Capitania de Minas Gerais, José Vieira Couto.

3- História de Minas, Waldemar de Almeida Barbosa.

4- Texto sobre a ocupação recente retirado da página "Filhos do Quartel São João".

5 - Arquivo Público Mineiro - Mapoteca

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