INDÍGENAS NOS RIOS INDAIÁ E ABAETÉ - UMA HISTÓRIA MILENAR


Arte de um mapa da comarca de Sabará, que compreendia também a região dos Rios Indaiá e Abaeté na época colonial, representando um indígena e um militar cartógrafo. Autoria do engenheiro português José Joaquim da Rocha no início dos anos 1800. Link para mapas do autor.

A região do Indaiá antes da colonização: 

A região serrana do município de Abaeté, onde hoje está localizada Cedro do Abaeté-MG, era coberta de matas densas até uma centena de anos atrás. Assim descreve o Barão de Eschwege que passou neste lugar muitas vezes entre 1812 e 1814. Nota-se para quem chega até aqui, que a planície que se vê desde as margens do São Francisco é interrompida pelos morros da formação da Serra da Saudade. Este lugar chamou a atenção de grupos humanos muito antes da chegada do homem branco, os vestígios dessas populações são numerosos e estão dispersos por todo o vale do Indaiá e Abaeté. 

"A vertente oriental da serra [da saudade] até a pirâmide do Capacete no Indaiá está recoberta de mata virgem na orla da qual eu caminhava"  (1)



Serra do Capacete em 1960, por Eduardo Ladeira. 


A Serra da Saudade é um grande divisor de águas a esquerda do São Francisco. Temos no seu flanco ocidental os córregos que desaguam no rio Indaiá e no oriental os que correm para o Marmelada e outros afluentes do São Francisco. Segundo Luiz Caldas Tibiriçá, o nome Indaiá é o mesmo que Inajá, nome de uma palmeira, ou do fruto da palmeira Pindó. O vocábulo provavelmente veio da lingua geral falada pelos paulistas e indígenas cativos, uma vez que os indígenas que viviam centro-oeste de MG falavam outras línguas. A representação mais antiga do Indaiá está no mapa do sacerdote jesuíta Jacob Cocleo (1628-1710) do qual chegou até nós uma cópia do começo do século XVIII. (2)


Rio Indaiá com a palmeira de mesmo nome ao fundo. 

A quanto tempo o homem está em Minas Gerais? 

Segundo estudos, os primeiros grupos humanos que chegaram no território que atualmente é Minas Gerais o fizeram há 11 mil anos. Eles eram geralmente familiares, com cerca de uma dúzia de indivíduos. Perambulavam à procura de caça, pesca e coleta de alimentos, geralmente cocos, raízes, frutas e outros vegetais, usavam abrigos naturais para se estabelecer temporariamente, deixando desenhos com representações ritualísticas, indicando resultados de caçadas e observações. Suas ferramentas eram rudimentares, de pedras lascadas e polidas, com utilização de madeira, resinas e tramas vegetais. Não dominavam técnicas de agricultura. Por milênios esses povos foram se desenvolvendo, migrações e novas trocas culturais foram ocorrendo, houve a introdução da Agricultura e da Cerâmica até que no século XVI e XVII ocorre o contato com não-indígenas. (3)

Um dos principais pesquisadores desses "mineiríndios" é o professor Fabrício Santos, que trabalha com sequenciamento genômico de restos ósseos de áreas tropicais e publicou junto a colegas um estudo que foi o primeiro realizado com DNA antigo de indivíduos da América do Sul, intitulado "Early human dispersals within the Americas,' publicado na revista Science. O professor está restaurando uma antiga propriedade no Quartel de São João que contribuindo com  preservação da história e cultura regional. (4)

Tupis e Tapuias: 

A mais antiga classificação do indigena brasileiro feita pelos europeus se deu em meados do seculo XVI ao que parece, devido as Jesuítas. Era feita entre o grupo dos Tupi e os não Tupi (Tapuia). Depois, Martius estabeleceu as divisões em Tupi ou Guarani como "guerreiros" e os Jê ou Tapuia como a mais numerosa das nações. É inadequado portante, ver o vocábulo "Tapuia" como um único povo indígena. 


Índígena Tapuia, por Eckout. Séc XVII

Etnias




Povos indígenas que habitavam a margem esquerda do São Francisco, segundo Oiliam José e Nelson de Sena. 

A história e arqueologia não deixam dúvidas de que o oeste mineiro foi densamente povoado por indígenas. Além de diverso material arqueológico já datado, há também os documentos antigos que citam combates e contato com etnias denonimadas por Caiapós, Araxás, Tapuias, etc. 

Entendendo o termo Cayapó: 

O termo Cayapó, tal como os termos Guayaná, Coroado e Tapuia, pode ser associado a um apelativo genérico que abrangia quaisquer grupos que possuíam com eles similaridades, tais como ter língua diversa da geral, habitar os sertões, serem aguerridos e constarem como empecilho ao acesso às minas do Centro-Oeste. Cayapó’ pode também ser provavelmente associado na documentação do período a grupos dos Jê Centrais (‘Xavante’, ‘Akroá’, ‘Xacriabá’). Grupos indígenas identificados como ‘Cayapó’ foram descritos no XVIII como Tapuias, “por ser diversa a sua língua diferente da geral”; como os que “tudo levam de traição e rapina”; como o “mais traidor de todos” O primeiro registro do povo Cayapó foi feito pelo bandeirante paulista Antônio Pires de Campos, na divisa do triângulo mineiro com Goiás. (5) (6) O mesmo que fez contato com os Araxás, destruídos após um ataque dos Kayapó do Sul. (8)

Cataguases: Nelson de Senna refere que os chamados Cataguases erm descendentes dos Tremembé do Ceará, que desceram para o sul de minas na época do descobrimento do ouro e sendo repelidos dali pelos sertanistas, estabeleceram-se se no oeste da capitania e no alto Abaeté. (ver referencia)


Por Henrique Bernadelli, bandeirante e índigenas. 

O contato no oeste mineiro:

O primeiro contato documentado entre um indígena "mineiro" e um não índio se deu com a entrada de reconhecimento do Padre Navarro, que saiu da Bahia e acessou o o Vale do Jequitinhonha em 1555. Nas décadas seguintes, as bandeiras dos paulistas eram infelizmente em sua maioria com a finalidade de aprisionar índios, para vendê-los como escravos. Pode-se aferir portanto que os primeiros encontros entre índios e não índios foram extremamente violentos. Algumas poucas bandeiras eram de povoamento. Desde então os indígenas viram o branco como inimigo e perseguidor. 

Em 1666, Jerônimo de Carvalho adentrou os sertões da nascente do São Francisco (serra da Canastra) aprisionando os Amboapira (Tememimó) e Apuatiyara (Tobajara). Em 1668 ou 1669, Castanho Taques, o Velho, chegou às margens do Rio Grande, limite com São Paulo onde enfrentou Cataguases. Com os Cataguases adrentou o interior até o Rio Paracatu. (9)

Em 1694, na região de Pitangui, Bartolomeu Bueno da Siqueira (que havia partido de Taubaté) "não foi poupado da presença do gentio". (9)

Em 1709 é descoberto ouro no rio Pitangui pelos paulistas que vinham das regiões de Sabará e Caeté (da guerra dos Emboabas). Pitangui foi porta de entrada para o centro-oeste mineiro, pois através dela se descobriu o Triângulo Mineiro. Segundo Waldemar de Almeida Barbosa, o povoamento da margem esquerda do São Francisco se fez por meio de três frentes: pela passagem do Espírito Santo, passagem da Piraquara via Pitangui, passagem das Perdizes, juntamente com a passagem real da Picada de Goiás. No Alto São Francisco, Pitangui era o principal centro de irradiação do povoamento. Piraquara era relativamente próxima a Pitangui e à Vila de Tamanduá. O filho de Matias Cardoso fundou o arraial de São Romão, que se tornou pólo irradiador do povoamento do Alto médio São Francisco e Paracatu

Logo depois da povoação desta Vila, Antonio Rodrigues Velho e seu sogro José de Campos Bicudo, penetrando os sertões antes e depois do rio S.Francisco, buscando sua nascente, "só encontraram muitos índios bravos que trouxeram e que, mansos, viveram nesta terra por muitos anos." Esses dados foram resgatados por Joaquim Antonio Gomes da Silva, que no começo do século publicou seus apontamentos históricos de Pitangui. 



Museu de Pitangui, evidenciando uma urna globular índigena encontrada na região.

Na década de 80 do século XVIII Ignácio Pamplona irá comunicar ataques do gentio caiapó na Serra da Marcela e da Canastra "espalhando terror entre os povos". No mapa de Pamplona (Mapa da Conquista, 1782) ainda aparece a denominação "Gentio" próximo a Guarda dos Ferreiros (atual São Gotardo - MG) e também nas vizinhanças da fazenda Babilônia, perto de Aragões (atual Patos de Minas - MG). A Carta da Câmara de Tamandoa endereçada a Dona Maria I (que trata dos limites entre Minas e Goiás, redigida em 1793) registra que nesta fazenda de Aragões pertencente a Afonço Manoel Pereira de Araújo, os indigenas mataram dois escravos, e roubaram seis mil e tantos cruzados em barra e algum ouro em pó cujo gentio João Vieira de Faria desalojou do alto da Serra da Marcela.

Picada de Goiás: 

Os caminhos abertos no sertão, chamados de "Picada de Goiás" foram o ápice da colonização dos sertões, com politica clara de ocupação e povoamento das terras. Entre 1735 e 1763 foram 2350 sesmarias concedidas ao longo da picada. 

Segundo Waldemar de Almeida Barbosa, a picada de Goias eram duas. Uma passava por Bambuí, Serra da Marcela, e outra partia de Pitangui, depois Piraquara e Serra da Saudade. 

Em 08 de Maio de 1736 Domingos de Brito pediu para abrir o caminho que passava por Bambuí. Organizou-se sociedade e solicitou a abertura do caminho de Pitangui a Paracatu passando por Piraquara, entrava na Serra da Saudade, Quartel de São João e, depois de atravessar os rios Indaiá e Borrachudo, segue margeando o Abaeté e, perto da barra deste último se encontrava com a outra estrada que vinha de Sabará." Com tantos caminhos e picadas sendo abertos, ficava cada vez mais difícil para os indígenas se manterem longe do contato. 

Durante o século XVIII, a política indianista nas regiões centrais da colônia se preocupava unicamente com a proteção dos núcleos populacionais recém-formados e das estradas que levavam o ouro do interior para São Paulo e Rio de Janeiro. Tal política refletia a necessidade de expulsar os índios das regiões de mineração e dos caminhos que possibilitavam a comunicação entre os povoados. Com o declínio da economia mineradora, tais regiões sofreram um enorme esvaziamento populacional e aqueles que ali permaneceram promoviam a ascensão da economia agropecuária e, com o advento desta, os índios não eram somente expulsos, deveriam ser “domesticados” ou mortos. 

Em 1736 na carta de Sesmaria para Francisco Gomes Ferreira refere que ele livrou a fazenda Serra Acima, no rio Urucuia, que descobriu e povoou, da invasão do gentio que todos os anos experimentava mortes e estragos nas suas fábricas. Também em 1736, Bernardo Domingues morador no Brejo do Salgado — descobriu nos gerais do rio São Francisco um sítio da parte de Pernambuco pelo rio dos Pandeiros acima; achou o sítio quando descobriu sete taperas ou povoações de gentio bravo. (9)

Em 1781, o regente de campo Ignácio Correa Pamplona ainda mencionou um denso povoamento desses grupos: “do Rio Paranaíba segui adiante a verificação dos morros desta Capitania [Minas Gerais] com a de Goiáz e São Paulo [...] chegando ao lugar chamado da Glória, ahi encontrei os grandes vestígios do gentio Cayapó, e parte de seu alojamento”; e nas cabeceiras do rio Dourados, um afluente do Paranaíba, “topamos trez alojamentos do gentio Cayapó, cada hum com vinte e tantas casas” (APM–CC–cx.87, doc. 20256). Há também uma carta em que Pamplona comenta de um assalto que os Caiapós fizeram ao seu grupo próximo a Bambuí, na fazenda Medeiros (atual município de Medeiros - MG). 

Hábitos descritos pelos cronistas é de que esses povos: não usavam redes, usavam o tacape como arma, além do arco e flecha. Não há relatos de antropofagia entre eles, eram muito belicosos e promoviam assaltos. Famosos por não pouparam nenhum homem vivo e raptavam mulheres e crianças. Além do arco e da flecha, os caiapó usavam uma especie de clava, que era uma arma terrivel. Foram duramente perseguidos no triangulo mineiro principalmente a partir de 1741, por Pires de Campos.

A história dos indígenas Abaetés.  

Uma das nações indígenas documentadas foram os Abaetés. Segundo Oiliam José, habitavam a Zona de "Abaeté e a parte alta da Bacia do São Francisco", hoje representada por diversos municípios, incluindo Cedro do Abaeté. 

Para entendermos sobre este povo talvez o documento mais importante tenha sido aquele divulgado em 1904, em que o Capitão Herculano Alves de Souza ofereceu ao Jornal de Abaeté uma cópia de documentos antigos que haviam sido encontrados no distrito do Abaeté Diamantino (ou Mateus José - extinto distrito de São Gonçalo do Abaeté) pelo capitão Luiz Vieira Rabello, fazendeiro, vereador, fundador e possuidor de lavras de diamantes. Um dos trechos deste documento dizia: 

"O nome Abaeté provém da tribo dos Abaetés, que habitavam a margem esquerda do Rio de mesmo nome, seis kilômetros abaixo do povoado atual. Em fins do século XVIII aportaram ao logar muitos garimpeiros, o primeiro dos quaes, chamado Muniz - o conquistador, acompanhado de muitos companheiros de que era chefe, combateu com os índios Abaetés. Esse garimpeiro chefe habitou com seus camaradas uma gruta que conservou seu nome, situada à margem esquerda do rio, dois kilômetros abaixo do actual povoado, outrora habitado por um pagé da tribu Abaeté. Essa tribo foi extincta por causa dos amores de Roleman, filha do cacique, com elle Muniz. Outros garimpeiros chefes exploraram o diamantes no Abaeté como João Costa, criminoso evadido da cadeia de Villa Rica, Joaquim Basílio que recompensava a força do governo nessa épocha destacada para impedir a extração de diamantes, para que nisso consentisse, Isidoro (o Mártyr) que aportou ao distrito em 1809, tendo morrido na cadeia de Diamantina, Matheus José o valente que deu nome ao logar, e que foi o chefe mais e o terror das forças do governo de Minas, que prohibiam a extração de diamantes. O Abaeté velho é uma tapera onde existiu o Quartel de Cavalaria da primeira linha da antiga província de Minas. Era situado à margem esquerda do rio Abaeté."

Os índios Abaetés viviam nos vales do Rio Indaiá e Abaeté, afluentes da margem esquerda do rio São Francisco. Certamente sua pesca e caça eram fartas. 


Fragmento do Jornal "O Abaeté" - 1906. Herculano Alves de Souza e Luiz Vieira Rabello foram vereadores da câmara de Abaeté.

Imagine a quantidade de indígenas que deviam habitar, em Cedro do Abaeté, as cabeceiras do Córrego Grande, o Pedra Menina, os Três Córregos, a Serra do Capacete, entre outros locais. 

Aparência:

Considerando que provavelmente os Abaetés também eram chamados de Caiapós, como deveriam se aparentar? J.E Pohl pode nos ajuda pois descreveu os caiapós como "cor castanho avermelhada, cabelos são negros, duros, bastos, descendo até os ombros. "O rosto é redondo e largo, os olhos pequenos, o nariz achatado, os lábios grossos, a boca grande, os dentes brancos e belos." 

Infelizmente a partir do século XIX não teremos mais informações de grupos indígenas originais em nossa região, pois os que não foram capturados ou mortos, fugiram para regiões não conquistadas como Triângulo Mineiro e o território de Goiás.

Remanescentes:

O contato com o branco, ao que tudo indica, foi violento e há poucas evidências de descendentes diretos desse povo. Porém, José de Oliveira em seu livro refere que "na fazenda dos Pedrões, atual distrito de Tiros, morou até 1953, quando se transferiu para Goiás, um indivíduo chamado de Zé Caboclo, natural dali mesmo, que já contava 60 anos para mais e dizia ser neto de uma Índia, da tribo da região. Toda a gente do lugar o tinha como descendente de bugres e realmente ele apresentava feições da raça nativa".

Não é raro encontrar relatos de moradores da região atestando que a bisavó foi "pega no laço". 

Até hoje existe um córrego Muniz, na margem direita do rio Abaeté.

A passagem de Georg Wilhelm Freyreiss ao rio Indaiá em 1814 e manutenção do hábito indígena:

No capítulo 11 de seu relato Viagem ao interior do Brasil, este naturalista alemão conta que saiu em comitiva de Vila Rica (Ouro Preto) em 02/09/1814 na companhia do Barão de Eschwege em direção ao Distrito Diamantino dos Rios Indaiá e Abaeté. Após passar pela fazenda Sant'Anna, do Comandante do Indaiá (na margem direita do córrego Santa Ana, próximo ao Gamelão), foram abastecidos de mantimentos e relatam que em todo o caminho de 5 léguas da fazenda Sant'Anna ao rio Indaiá (passando pelo Capacete), não encontraram nenhuma habitação.
Na margem do Indaiá, havia o Quartel dos Pintores, que na ocasião era habitado por dois soldados para impedir que se extraíssem diamantes ali.

Na volta, Freyreiss conta que viu no mesmo porto dos pintores do Indaiá, um pescador e seu filho que pescavam utilizando um arco e flecha. O arco de 4 pés de comprimento (1,20m) e uma flecha de taquara com um ferro redondo na extremidade além de uma cordinha na ponta da flecha que se puxa o peixe. Eles pescavam com grande habilidade. 

 Isso mostra que os poucos habitantes do Indaiá à época preservavam uma prática indígena, possivelmente dos Abaetés, os primeiros moradores daqueles sertões!!



Mais adiante, nessa mesma viagem, Freireyss viu fragmentos de utensílios indígenas em cerâmica no rio Werra (atual ribeirão São Bento - batizado de Werra por Eschwege que tentou renomeá-lo em homenagem ao rio Alemão). 


Indígena do Triângulo Mineiro, início do séc XX. Acervo Nelson de Senna. 
                                       

A arqueologia cedrense:  

Desde o começo da ocupação mais recente é notado que os moradores perceberam a presença pretérita dos indígens tendo em vista seus vestígios materiais. São pedaços de utensílios como "panelas", ferramentas líticas, rodelas de fuso, etc. Vicente Moura, farmacêutico em Cedro, era reconhecido por manifestar interesse por esses itens e já ter encontrado uma "pedra com inscrições". Na região do Drumão, moradores antigos se lembram de uma ocasião em que acharam uma "panela de gentio" no meio da estrada, após escavarem notaram que era uma panela de barro grande que se quebrou. Manoel Marques conta que certa vez, na década de 50, caiu um raio em um pau-de- óleo na fazenda Drumond que acabou "rachando" a árvore, o levando a morte. Passados 07 anos os trabalhadores estavam acerando a cerca e encontraram uma machadinha de pedra ainda "azul". Era a pedra de raio. Essa versão para explicar os artefatos polidos pelos indigenas vem da herança portuguesa, onde essas pedras são também chamadas de corisco. É necessário desfazer o equívoco, os machados de pedra não são meteoritos e não se formam com os raios. Porém a crença popular deve ser valorizada enquanto manifestação da percepção destes achados. Em outro momento, uma urna foi encontrada por adolescentes na década de 80 dentro do Cedro, durante obras na atual Vila Vicentina, segundo relatos a "cor era castanho meio claro e o interior preto. Tanto o interior como o exterior eram lisos. Tinha mais ou menos 1 metro de altura e 1,50 m de circunferência. Em formato de cone, porém com o fundo achatado. (Tipo panela de pressão) No interior havia "umas bolinhas brancas tipo missanga com furos, que se desfaziam ao toca-lás".


Segundo os descobridores, a urna encontrada na Vila Vicentina de Cedro era semelhante a esta, encontrada em Belo Vale - MG.


Cultura: 

A tradição arqueológica definida nas pesquisas da década de 70 em nossa região é chamada de Aratu-Sapucaí, ligadas provavelmente a povos agrícolas. É como se fosse  a "moda" da época, o jeito de fazer cerâmica e outros utensílios. São sítios que "tem vasilhas predominantemente simples produzidos com antiplastico mineral e formas esféricas e ovoides, grandes arestas de grandes igaçabas, em cerâmica lisa e sem decoração" segundo André Prous. 

A cerâmica associada à tradição aratu-sapucaí está localizada em uma vasa área do estado de Minas, com grande concentração de sítios no Triângulo Mineiro (onde a cerâmica é muito bem estudada pela arqueóloga Márcia Angelina Alves, da Universidade de São Paulo) e na porção centro-oeste, sobretudo no Vale do São Francisco. A Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri tem estudado sistematicamente os conjuntos artefatuais da cidade de São Gonçalo do Abaeté, principalmente dos sítios Matos Seco 1 e 2 (datados entre 1.200 e 500 anos antes do presente) e da cidade de Cachoeira Dourada, no extremo oeste do estado (datações em torno de 500 anos antes do presente).

Esses grupos preferiam fazer suas aldeias próximo a córregos de médio e pequeno porte deixando de lado grandes rios em ambientes abertos e em mata em vez de cerrado. A hipótese é que esta tradição estaria ligada ao tronco macro-jê que teria se originado na Amazônia e se deslocado para o Centro-Oeste, de provável agricultura baseada no milho e cerâmica desenvolvida. O vale do São Francisco teria sido o corredor de dispersão da tradição no sudeste. Os sítios mais antigos desta tradição estao na região de Goiás, também com as maiores densidades populacionais nas aldeias indicando que Minas seria uma área periférica provavelmente no seculo IX antes de Cristo. 

Utensílios: 

Os utensílios tinham utilidades como armazenar liquidos, alimentos e urnas funerárias. O modo de manufatura mais comum é o acordelamento As oleiras, geralmente mulheres, que produziam a cerâmica, herdavam o conhecimento de seus ancestrais porém também havia as trocas e imitações das redes de contato. Deve-se pensar no individuo que fez o objeto e o fez circular.

São urnas com cacos muito espessos incluindo urnas funerarias globulares com mais de um metro de diâmetro de bojo, ao lado desses recipientes há vasos de paredes finas, cachimbos tubulares são encontrados com alguma frequência. Formas, pouco numerosas, sem decoração, alguns deixavam os grãos de arenito à mostra, com a superficie semelhantes a uma lixa. Os sepultamentos, feitos em urnas, por vezes tampados com placas de ceramica ou pedra, com cacos e machados no interior, eventualmente rodeados por recipientes menores. 

Agricultura - Urnas silo, para armazenagem de grãos. 

Fumo : Algumas tribos eram fumantes, em Cedro foram encontrados cachimbos em forma de tubo, que lembram o fruto do Jequitibá.  

Ritos Funerários - Igaçabas já foram encontradas na região. Os tapuias costumavam quebrar alguns ossos principais do morto, para colocá-los em grandes urnas de barro cozido contando o arco, as flechas e demais objetos de uso do falecido. 

Armas - em machado polido, de poucos centimetros a mais de quinze e de diferentes formas. Tudo indica que teciam fibras vegetais e também se valiam de arcos de madeira. Sabemos que os indígenas utilizavam amplamente o Tacape, arma conduntende de madeira porém devido ao material ser perecível ainda não foi encontrado nenhum exemplar na região. 

Tembetás : ornamentos que perfuravam os lábios, eram feitos de pedras coradas, ossos ou seixos. 



Tembetá, São Gonçao do Abaeté. 

Tembetás, gravura de André Prous.


Vasilhames: Panelas, potes para água, pratos, etc. Igaçabas para o morto.



Tampa de panela feito em Quartzo. Um trabalho primoroso dos índios que viviam na região do Quartel Geral do Indaiá. Atualmente no museu da UFJM.

Líticos: Quebra cocos, trituradores, raspadores.



A cerâmica era produzida pela técnica de acordelamento ou modelagem, quase não ocorrendo decoração, sendo representada por peças bem alisadas e, quando ocorre decoração, está representada por poucas incisões (FAGUNDES, 2004; ALVES, 2002)


Fuso dos indígenas Enawere. 
 
 

Estudos no rio Abaeté: 

A partir da análise dos assentamentos e dos remanescentes materiais na região de São Gonçalo do Abaeté (baixo Rio Abaeté), concluiu-se que, a partir das datações, as ocupações de horticultores ceramistas aconteceram entre os séculos XI e XV da nossa Era. De acordo com a disposição, os sítios estão a céu aberto, situados em declividade suave, resultantes do mesmo processo cronológico e cultural. 



Mapa de sítios arqueológicos de ocupação indígena ao longo do Rio Abaeté. 

Urna encontrada na região do Rio Abaeté. 


A professora da UFMG Lilian Panachuk, arqueóloga e cerâmista, aduz a peculiaridade Jê em decorar seus potes com estilo próprio e concentrar decorações em partes específicas deles. 

Fonte:

1 - Eschwege. Brasil, Novo Mundo.
 
2 - Freireyss, G. W. Viagem ao interior do Brazil nos annos de 1814—1815

2 - Waldemar de Almeida Barbosa Historia de Minas. Vol 2

3 -Mateus Parreiras - Enviado especial Estado de minas

4 - Artigo Fabricio

5 - Campos 1875 "Roteiro que deu o capitão-Mor Antônio Pires de Campos ... ", Rev. lnst. Hist. Geogr. Eras., Rio de Janeiro, 8(1): 141-4.

6 - Gabriel Asnis e Marcel Mano. Continuidades e Descontinuidades, a arqueologia Aratu Sapucai e a história indígena Caiapó. (Vídeo do Youtube).

7 - Pamplona fez cinco “entradas” na região oeste de Minas Gerais, sendo a primeira delas em 1765; em 1782, ele atacou aldeias Kayapó do sul. Sobre as entradas de Pamplona, ver: SOUZA, 1999.

8 - Doc.: Carta de 28 de dezembro de 1750, de D. Marcos de Noronha ao Pe. José de Castillo. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás. Goiânia: Editora Oriente, Número 9, 1980. pp. 123-5.

http://objdigital.bn.br/acervo_digital/rede_memoria/projeto_resgate/iconografia_AHU/ahu-mg_1165/ahu-mg_1165.html

9 Fonte: OÍLIAM JOSÉ. Indígenas de Minas Gerais, 1965.

10 - CONTRIBUIÇÃO PARA A HISTÓRIA AGRÁRIA DE MINAS GERAIS — SÉCULOS XVIII-XIX ANGELO ALVES CARRARA,  Ufop 1999. 

11 - Excavações ou apontamentos historicos da cidade de pitangui por Joaquim Antonio Gomes da Silva
 
12 - Gentios Brasílicos Índios Coloniais em Minas Setecentistas - Maria Leônia Chaves de Resende - Unicamp. 2003







Comentários

  1. Excelente contribuição para o conhecimento da origem, cultura e desenvolvimento dos povos que estiveram nesta região e deixaram vestígios tão significativos para a compreensão de seu modo de vida.

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  2. Que aula de história, antropologia e arqueologia da nossa região natal!! Obrigada por ir tão longe nesse passado tão endemico e tão universal!!

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  3. Grande contribuição à história regional!

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