JOSÉ DE DEUS LOPES (1751-1839) - O "GOVERNADOR DOS HABITANTES DA REGIÃO DO INDAIÁ".



Fardamento do regimento de Cavalaria de Minas Gerais, onde serviu José de Deus Lopes. Fac-Símile no Museu dos Militares Mineiros - Belo Horizonte.

José de Deus Lopes (Freguesia de Nossa Senhora Mãe dos Homens de Arariguataba, aprox. 1751- Fazenda Sant'Anna, atual cidade de Abaeté - 1839) foi um militar de alta patente do Regimento Regular de Cavalaria de Minas Gerais, tendo cumprido suas missões neste posto. Uma delas foi de extrema revelância para a região entre o Rio São Francisco e o Rio Abaeté, pois como superintendente da Real Extração Diamantina do Abaeté e depois como comandante do destacamento do Indaiá foi iniciado um processo de ocupação e lavradio das terras na região da margem esquerda e direita deste rio.

Homem destemido, combateu os garimpeiros que andavam armados pelos ermos sertões das zonas diamantinas dos rios Indaiá e Abaeté desde o começo do século XIX. O fato foi que José de Deus não sairia mais daquelas paragens que hoje compreendem a região de Abaeté, Paineiras, Biquinhas, Cedro do Abaeté, Tiros, Morada Nova e outras, sendo também sua fazenda uma das primeiras na produção de aguardente e outros gêneros.

Um Paulista em terras mineiras:

O Sargento Mor José de Deus Lopes nasceu onde hoje é a cidade de Porto Feliz, na Capitania de São Paulo provavelmente no ano de 1751, na época pertencente a Itu-SP. (1) Filho de João de Deus Lopes (português nascido no Porto) e de Isabel de Arruda Sampaio (ela de tradicional família paulista, sendo bisneta do bandeirante Lourenço Castanho Taques). Seus pais casaram-se em 1743, em Itu - SP, como consta na certidão.

A cidade natal

No ano de 1693, nas terras de Antônio Cardoso Pimentel, um povoado começou a se formar junto à margem esquerda do Rio Anhemby (atual Tietê), num ponto distante pouco mais de 100 Km de São Paulo. O local era conhecido como “Araritaguaba” (que significa: “lugar onde as araras comem areia”) – nome dado pelos índios guaianazes que habitavam a região, em virtude da freqüência com que bandos dessas aves bicavam um salitroso paredão ali existente. O porto era um local de passagem para as ‘bandeiras’, e ficou especialmente estratégico após a descoberta de ouro em Goiás (1725) e Mato Grosso (1729), e também após o início das chamadas “monções” – expedições comerciais para o interior. Em 1721 o arraial é fundado, sendo construído sobre o paredão de Arariguataba uma capela dedicada a Nossa Senhora da Penha. Em 1728 é elevado a freguesia. Em 1750 passa a denominar-se Freguesia de Nossa Senhora Mãe dos Homens de Arariguataba, com a inauguração da nova matriz. Em 1797 passa a categoria de Vila com o nome de Porto Feliz. Em 1858 é elevada à categoria de cidade. (2)


Imagem de Nossa Senhora Mãe dos Homens, em Porto Feliz.


A mudança para a capitania de Minas Gerais

Jose de Deus passou toda sua infância e adolescência em sua região natal (há um registro em que ele é padrinho de batismo no ano de 1771 em Itu-SP.) Por motivos ainda não conhecidos transfere-se para Minas Gerais. o mais plausível é que tenha vindo após saber do recrutamento na recém criada Cavalaria Regular, uma vez que D. Antônio de Noronha necessitava de homens capazes e disciplinados e sabidamente tinha relações militares com o Governador de São Paulo (3). Um alistamento na tropa paga garantiria um soldo a Jose de Deus e este cumpria com os requisitos: era ativo, sabia ler e escrever e seus antepassados haviam conquistado alguma influência na capitania.

Carreira Militar

Iniciou na carreira militar aos 24 anos de idade em novembro de 1775. (1)  A data não poderia ser mais adequada, pois em junho daquele mesmo ano, o governador Dom Antônio de Noronha reorganizou as companhias de cavalaria, prevendo oito companhias ao todo. Após dissolver as Companhias de Dragões, retirar dos Corpos Auxiliares os melhores indivíduos, trazer dos Regimentos do Rio de Janeiro oficiais de boa instrução e fazer vir de Portugal um sargento-mor familiarizado com os novos princípios da arte de guerra, criou o Regimento Regular de Cavalaria de Minas. Era um Corpo diferente dos demais que existiam nas Minas, por ser tropa  instruída e paga pela Fazenda Real, além de possuir regulamentos militares. 

Era necessário preencher de homens capacitados este contingente e José de Deus cumpria os requisitos necessários para a época. Estudos concluem que os oficiais e soldados do RRCM (Regimento Regular de Cavalaria de Minas) estavam inseridos em redes de parentesco, amizade e compadrio. Tudo isso permeado por interesses econômicos e sociais. (3)

Neste mesmo ano, na sexta companhia, assentou praça como oficial o Alferes Joaquim José da Silva Xavier (Tiradentes). Vários membros da RCCM estariam ligados à Conjuração Mineira desbaratada em 1789. Um exemplo foi o do primeiro comandante da RCCM, o Ten. Cel. Francisco de Paula Freire de Andrade, condenado ao exílio em Moçambique (3)

José de Deus Lopes fez carreira militar percorrendo as seguintes patentes: (1)

Soldado na 08º Companhia - 14 de Novembro de 1775. 
Anspeçada da 03º Companhia - 23 de Fevereiro de 1780.
Cabo de Esquadra - 26 de Junho de 1783.
Furriel na 04º Companhia - 05 de Junho de 1787.
Quartel Mestre - 02 de Setembro de 1799.
Capitão - 13 de maio 1814.
Sargento Mor Reformado- julho de 1818. (*)

Um resumo da carreira militar de JDL pode ser visto no  seguinte link: Fé de ofício de 1818


                                   Graduação a Capitão, Gazeta do Rio de Janeiro, maio de 1814. 

A Cavalaria de Minas Gerais - Os Dragões Reais

Primeira unidade de cavalaria real portuguesa a chegar no Brasil, o Regimento Regular de Cavalaria de Minas (RRCM) foi uma unidade do exército português na colônia. A unidade era também conhecida "Dragões Reais de Minas" ou "Dragões d'El-Rei" em virtude de ter tido origem nas antigas companhias de dragões de Minas Gerais.

Foi fundada por Dom Antônio de Noronha, que em 09 de junho de 1775 desativou as organizações existentes transformando-as, por meio da seleção dos melhores elementos, em Tropa Paga da Capitania de Minas Gerais. Desde então passou a possuir oito companhias com um efetivo de oitocentos e cinquenta e três homens, instalados no Quartel do Xavier, em Ouro Preto.

Em 1779, o Regimento Regular de Cavalaria de Minas transferiu-se para Cachoeira do Campo. Esse Quartel ainda hoje pode ser visto à margem da estrada de Ouro Preto, na Cidade de Cachoeira do Campo.

Em 1808, passou a designar-se "Regimento de Cavalaria de Linha de Minas Gerais" ou "Regimento de Cavalaria de Linha de Vila Rica" e em 1824 passou a designar-se "2º Regimento de Cavalaria de 1ª Linha". Foi extinto em 1831. É considerado a célula-mater da Polícia Militar de MG. (3)



                                               Ilustração dos antigos dragões de Minas - 1730. 

Como seria a compleição física de José de Deus?

De acordo com seus documentos militares tinha aos 24 anos 5 pés e 6 pollegadas de altura, cabellos castanhos e olhos pardos.

Podemos também inferir qual seria a presença do Sargento Mor pelos relatos da época: 

"Os soldados do Regimento das Minas são altos, bem constituídos e têm boa apresentação; esse, porém, é o menor elogio que se lhes pode fazer. Em país algum vi corpo de simples militares tão perfeitamente constituído. Bastante diferentes dos homens tão pouco dignos de apreço que constituem os regimentos do Rio de Janeiro, os soldados de Minas pertencem, geralmente, a famílias dignas, sabem todos ler e escrever, e são notáveis por sua polidez

August Saint-Hilaire - Início do Século XIX (3)

 

Um dos mais brilhantes do mundo. Compunha-se de seiscentos homens escolhidos e fiéis, da melhor estampa e raça, recrutados e mantidos pelo governo da Capitania com soldos principescos e equipamentos de luxo". 

- Gustavo Beyer- Início do Século XIX (3)


Armamento, Fardamento e Patentes: 


Os soldados da Cavalaria utilizavam pistolas, mosquetes e principalmente espadas e punhais. (5)



Mosquete inglês Brown Bess, usada em situações especiais da cavalaria. Um atirador muito bem treinado, em condições ideais, podia manter uma cadência de fogo de 3 tiros por minuto, mas dois disparos por minuto é uma estimativa mais razoável da capacidade da espingarda de pederneira de carregar pela boca.(5)
A cavalaria deveria usar clavinas, prevista nos regulamentos portugueses de meados do século XVIII. Esta clavina acima provavelmente é do final do século XVIII - início do século XIX. (5)


Os regulamentos militares portugueses previam o uso de uma pistola por cada cavalariano ou homem montado. (5)

Brasão das armas comumente bordado nos uniformes. A patrona é a bolsa onde vai a munição. As armas brancas eram as mais utilizadas. Poderia ser um sabre ou uma espada, presos ao cinturão. (5)




Neste recibo assinado pelo ferreiro José da Costa, lê-se:

"Recebi do Anspeçada José de Deus Lopes seiscentos réis de ouro de duas ferraduras novas que lhe botei no cavalo de sua magestade e por lhe faço o presente por mim feito e assinado" 30 de Abril de 1783.


                         Representação de militares da cavalaria de Minas, em Filme sobre Tiradentes. 

Rotina e dinâmica dos cavaleiros

Ao todo duzentos e quarenta praças ficavam no quartel de Cachoeira, referência para os cavaleiros e onde recebiam a formação necessária. O restante ficava guarnecendo os postos por onde se receava poder haver algum extravio de ouro e diamantes (postos de alfândega ou registros), ou cumpriam alguma diligência específica. As patrulhas eram chamadas de "giros". 

Já os destacamentos eram guarnecidos por cabos e soldados. Cada um possuía cerca de seis soldados, exceção feita ao quartel do Tejuco, que dispunha de doze a vinte militares.

Uma guarda geralmente era composta por um cabo, quatro soldados e dois pedestres. A composição das patrulhas variava de acordo com a missão a cumprir. (3)


Representação de membros da cavalaria.


1786 - A missão no sertão do rio Macacú - RJ.

Neste ano, foi designado em uma especial diligência para auxiliar nas buscas a Manoel Henriques, o "Mão de Luva", um garimpeiro clandestino vindo de Ouro Branco-MG que fugindo da coroa instalou-se na região serrana fluminense (Vale do Rio Paraíba do Sul) em busca do metal, tornando-se um grande potentado local e formando uma comunidade de pessoas que não pagavam o quinto do ouro, e por isso viveram na ilegalidade por mais de 20 anos. Foi José de Deus que fez o reconhecimento do local, primeiro como espião e participou da prisão de Mão de Luva. Foi bastante elogiado por São Martinho nessa ocasião (5)


Mão de Luva recebeu esta alcunha pois usava uma luva na mão direita. (5)


1797 - Missão no Rio Pomba - MG. 


Casamento: 
 
Casou-se com Joanna Helena da Cunha de Sá e Castro, filha do Coronel Felipe José da Cunha (Comandante do 3º Regimento da 1ª Tropa de Cavalaria de Linha de Pitangui e Rio das Velhas) e Joanna Helena de Sá e Castro, mostrando as suas boas relações com famílias tradicionais das Minas. O casamento deu-se em Ouro Preto, no ano de 1799 (como consta na obra Genealogia Paulistana). 
 
Vida em Vila Rica 

Destacado em Cachoeira do Campo, bem próximo a Vila Rica, JDL tinha muitos laços aquela localidade. Em Censo de 1804 vivia na cidade com seus 2 filhos (Francisco de 2 anos e Pedro de 2 meses, sua esposa e 10 escravizados). Sabe-se também por um levantamento de 1809 e 1812 e também por uma carta de aforamento de lotes que José de Deus Lopes possuía uma casa no tamanho de 3,5 braças (avaliada em 600 réis cada braça) e um lote de 11,5 braças (avaliado em 300 réis cada braça) em Vila Rica (Ouro Preto) na rua da Barra e na Rua Direita.

 
  
 
A rua da Barra iniciava na sua propriedade
"rua da Barra, que principia dos fundos dos quintais do quartel mestre José de Deus Lopes e segue para a mesma Barra"
Atualmente este trecho é a rua Padre Tobias até encontrar com a rua Antônio Martin.  
Vila Rica era o centro econômico e político da capitania e naturalmente o sargento mor sempre voltava a sua casa nessa localidade, apesar das diligências que fazia em diversos locais das Minas e das Gerais.
A transferência para o Destacamento do Indaiá

Segundo Eschwege, no seu "Pluto Brasiliensis" publicado em 1833, José de Deus Lopes já andava pelos sertões do Indaiá há 30 anos, o que nos remete ao começo de 1800:

"O comandante do Indaiá, José de Deus Lopes, capitão do Regimento de Cavalaria de Minas, que vivera já a maior parte da vida (trinta anos) na guarda do Distrito Diamantino desse sertão, e, como um pequeno déspota, governava os escassos habitantes espalhados pelos arredores (...)" (5)

Em outro trecho, diz que o então Furriel José de Deus Lopes foi enviado para combater o bando de Isidoro de Amorim Pereira na região do Indaiá:

"Como o destacamento se enfraquecesse, o furriel, hoje major aposentado José de Deus Lopes, foi enviado para ali com um pequeno reforço. Os garimpeiros já haviam abandonado a região e se dirigido para o alto Abaeté" (5)

Neste intervalo de anos nestes dois relatos do Barão, que não comprometem o entendimento de que José de Deus estivera nos primórdios da exploração oficial do lugar, uma vez que nos documentos de 1807 da Real Extração dizem que José de Deus já fazia missões por ali há 15 anos.

A região estava em conflito desde que Isidoro de Amorim Pereira, grande conhecedor daqueles sertões, invadiu-os nos idos de 1790 chefiando um grupo de garimpeiros ilegais. O cadete recém-instalado Diogo Lopes Couro, sabendo da notícia, marchou contra Isidoro e seus companheiros demonstrando falta de prudência e de estratégia. O resultado foi que no dia 25 de julho de 1791 travou-se uma luta feroz cujo resultado foi a morte do Cadete e de 2 soldados, além de sete outros militares feridos e dois garimpeiros mortos. A tradição diz que este combate ocorreu junto ao morro "Nau de Guerra", hoje distrito de Tiros.

Após a chegada de Deus Lopes, o então furriel iniciou uma verdadeira caça ao grupo. Com sua experiência e boa formação, atingindo o rio Indaiá, encontrou o grupo de Isidoro em plena atividade de garimpo no porto dos Pintores. Conseguiu dispersá-los e queimar-lhes as choupanas. (5)


Representação de um oficial da cavalaria à galope.

O Diamante do Abaeté

Na perseguição a Isidoro, o Major veio a encontrar-se fortuitamente com garimpeiros de outro grupo, entre eles Assunção, Manuel Gomes Batista e vários outros, que lhe trouxeram jubilosos um grande e inestimável diamante de sete oitavas, três quartos e um vintém, o que equivalia a cento e trinta e oito quilates e meio. 

Pediram-lhe que o fizesse chegar ao Rei, que lhes daria uma recompensa. Lopes, ao invés ofereceu-lhes escolta de alguns soldados de sua tropa até Vila Rica. Aquele seria o maior diamante descoberto até então. (5)

Permanência nos sertões do Indaiá

O Major nunca se afastou desses sítios, sendo ordenado para auxiliar na real Extração Diamantina do Abaeté e Indaiá no ano de 1807, já como Quartel Mestre. José de Deus era quem tinha o poder de “responder por tudo que é de sua alteza real” após a suspensão das atividades dessa curta extração, em 1808. Ordem do governador 1807


"Recebi do Tesoureiro da Real Fazenda e Pagador de Tropas Ordenadas mais despesas da Real Fazenda, a quantia de cento e onze mil réis dos meus soldos, sustento de minha montada que venci nos meses de Abril, Maio e Junho averão de Vinte seis mil de soldos. 76 mil de soldos como Quartel Mestre do Regimento e onze desta quantia do sustento de minha montada que tudo completa a esta referida quantia." Quartel Geral do Indaiá, 01 de Junho de 1814. José de Deus Lopes.


Sertões do Indaiá, que o Major conhecia como ninguém. À esquerda e Direita os montes Fragata e Nau de Guerra no município de Tiros-MG. Ao fundo, a Serra do Capacete em Cedro do Abaeté-MG.

Mapa de 1800. Rio Indaiá em Azul, Serra do Tigre, Coatis (Capacete) e a Pedra Menina
O Quartel de Santa Ana, marcado com uma cruz vermelha

As duas fases da exploração diamantina oficial do Rio Indaiá e Abaeté.

A primeira extração oficial ocorreu em 1786, com o objetivo de se tirar provas. Depois funcionou de 1791 a 1795, com tropas vindo do Tejuco.

Na segunda extração oficial, em 1807, JDL já era Quartel Mestre e foi nomeado comandante e superintendente dos serviços gerais daqueles garimpos por ser um "oficial ativo e inteligente destes sítios" por estar ali por mais de 15 anos".  

Diogo Pereira Ribeiro de Vasconcelos, em seu livro de ofícios da real extração, refere que José de Deus Lopes "separou escravos para queimarem e plantarem a roça da fazenda real, começada em muito bom sítio com homens alugados, por carecer de escravatura".

A base da cavalaria regular nessa região era o Quartel-Geral do Indaiá (estabelecido em 1791, ampliado em 1801) ao qual pertenciam os presídios de Santana (nas cercanias de Cedro do Abaeté, próximo a fazenda Santa Ana), Palmeiras, São João do Ferreiro, Argões (ou Aragões), Assunção (abaixo do da barra do ribeirão dos Tiros) Cachoeira Mansa (ou Bonita) e São João da Boa Vista (este entre as cabeceiras do ribeirão dos Veados e do ribeirão Marmelada).

Entre os vários trabalhou, observa-se que José de Deus era frequentemente requisitado, na escolha de bestas, no transporte de mantimentos e de ferramentas para as tropas de extração, entre outras funções. 

O desejo de ir à Portugal

Em duas ocasiões (1798 e em 1804), JDL pediu autorização para visitar Lisboa, então sede da Corte, uma vez que a família real ainda não havia se mudado para o Brasil. Os documentos estão no acervo do Arquivo Histórico Ultramarino


"Diz o Furriel Jozé de Deus Lopes do Regimento de Cavalaria Regular da Capitania de Minas Gerais da cidade do Brasil, que para i. de pendências que tem, precisa passar nesta corte da cidade de Lisboa, o que não pode fazer sem licença da Vossa Magestade" 22/10/1798



Neste outro documento lê-se que a licença de um ano foi concedida, porém ainda não se sabe se de fato ele realizou a viagem: " A José de Deus Lopes, Quartel Mestre do Regimento de Cavalaria de Minas Gerais se há de passar provisão de licença por um ano para vir a esta corte". Lisboa 19 de Maio de 1804. 
 
É bem provável que nosso Sargento Mor tenha ido à Portugal pois o mesmo gozava de algum prestígio na Corte, uma vez que chegou a ser donatário de 400 mil réis em 1804 para o Príncipe Regente. 

 JDL na visão do governador

Em um interessante manuscrito de 1806, o governador Pedro Maria Xavier de Ataíde e Melo descreve o então Quartel Mestre, na ocasião com 54 anos de idade destacado na 8º Companhia do Regimento da Cavalaria de Linha de Minas Gerais:

"Este Official o achei destacado no Indaiá e parecendo-me impróprio em destacamento hum Quartel Mestre o fiz recolher a esta Praça, onde se tem até agora comportado bem, e tem igualmente exercido o seu Posto sem Nota: quanto porém aos seus Serviços Militares, melhor o podem attestar os meus Antecessores, e não as informaçoens lisongeiras, e apaixonadas de seu Coronel Comandante por ser mui seu Amigo, e que eu teria pejo (vergonha) d'aqui repetir"

A praça a que o Governador refere é o Quartel da Cachoeira Campo em Vila Rica, e o "mui amigo" de José de Deus seria o então o  Comandante Antônio da Silva Brandão, capitão da oitava Companhia. O recolhimeno ao Quartel durou pouco, pois em 1807 este oficial retornou ao Indaiá para superintender a Real Extração de diamantes a pedido do mesmo governador que elogia o mesmo chamando-o de adjetivos como "inteligente, activo e honrado".



Comentário do Governador. Manuscrito de 1806. 


                    

Belíssima portada do Quartel Geral da Cavalaria, em pedra sabão com os dizeres: "Esta obra a mandou fazer o o ilustríssimo e excelentíssimo senhor D. Antônio de Noronha, governador e coronel geral desta capitania anno de 1779".


Quartel Geral da Cavalaria, em Cachoeira do Campo. O prédio ainda está de pé nos dias atuais. 

Registros de uma ida ao Rio de Janeiro. 

Uma das idas à Capital Imperial (Cidade do Rio de Janeiro) mais bem documentadas de José de Deus foi no ano de 1817 quando ele estava no comando da Sexta Companhia, como Capitão. No caminho, faleceu um de seus soldados (praças), registrado em uma carta na paragem de Mathias Barbosa. Outros dois praças ficaram doentes na paragem de Paraibuna (atual Simão Pereira). A companhia chegou ao RJ em Junho de 1817, passando pela Estrada Real no chamado "Caminho Novo". 


"Chegou hoje a esta Corte que se contão vinte do corrente mês o Capitão José de Deus Lopes, com a 6º Companhia incompleta, por lhe faltarem quatro praças, por terem ficado duas doentes em caminho, morrer o Soldado Lizardo Lopes a sete deste Mês, por ter saído dessa Capital a dita Companhia com huma praça a menos, segunda a parte que me du o mesmo Capitão" Rio de Janeiro, 20 de Junho de 1817. José da Silva Brandão, Sargento Mor Comandante. 


Trecho do Caminho Novo, em Vermelho. 


Mapa das praças que se compõem a 6º Companhia do Regimento de Cavalaria de Linha de Minas Gerais, que se apresentou no Rio de Janeiro em 1817. Em seu estado completo consistia de 49 homens sob o comando do então Capitão José de Deus Lopes. Eram eles: 1 tenente, 1 alferes, 1 furriel, 1 cabo, 1 trombeta, 1 ferrador, e 43 anspeçadas. 

Religião:

Temos algumas notas de sua religião, pois segundo relato de Eschwege, sobre José de Deus Lopes:

"Esse homem, corajoso e calmo de ordinário, despediu-se de nós cheio de pressentimentos, pois afligia-se por deixar-nos à mercê dos animais ferozes e doenças prováveis, sem nenhum auxílio médico. Ele próprio se arreceava desses males, pois, antes de encetar a sua viagem de volta, recebeu a comunhão."

Sua esposa, Joana, era irmã da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo de Ouro Preto. Ainda na avaliação de sua fazenda, quando do inventário, aparece uma imagem do Senhor Crucificado relacionada.

Dedicação à pecuária e últimos anos:

Como Eschwege observou, grande parte dos povoadores da região eram soldados: "que escolhem o lugar em que gostariam de ficar, pois possuindo algum dinheiro por ocasião da baixa, ali se estabelecem e contraem casamento". Narra também o caso de um soldado que conseguiu atestado falso de doença para dar baixa e se casar com a filha de um fazendeiro.

Como as atividades de mineração de diamantes no Abaeté e Indaiá não prosperaram, encerrando um ciclo, José de Deus Lopes dedicou-se nas atividades de agropecuária e através de sesmaria recebida tornou-se um importante fazendeiro/produtor rural.

A sede de suas propriedades se chamava: “Fazenda Sant’Anna” nome em homenagem à mãe de Nossa Senhora e avó de Nosso Senhor Jesus Cristo. A Fazenda Sant’Anna em sua extensão original,passava dos 3 mil hectares, formando também a área que viria ser a cidade de Cedro do Abaeté-MG. A sede da fazenda depois foi herdada por sua filha mais velha, Dona Izabel Carolina Ordones da Cunha Lara (Baronesa do Indaiá) e seu esposo Antônio Zacarias Álvares da Silva (Barão do Indaiá), após litígio com outros herdeiros.

Antigamente, na época do Major José de Deus Lopes, a ultima cidade da divisa entre a Capitania de Minas Gerais e a Capitania de Goiás, era Pitangui, e como não existia a divisão territorial dos Estados da Federação, igual a hoje, a divisa de Minas com Goiás era pouco depois de Tiros e Arapuá. O Triângulo Mineiro pertencia a capitania de Goiás. Por isso, para viajantes, a parada na fazenda Santa Ana era praticamente obrigatória. Naturalistas importantes como Sellow, Eschwege, Freyreiss, etc passaram por ali. O naturalista alemão G.W.Freireyss narra em sua "Viagem ao interior do Brasil - 1814" que passou um dia na fazenda em companhia do barão de Eschewege e sua missão científica.

Relato de Freireyss, viajante alemão do século XIX que juntamente com o Barão de Eschwege, muitas vezes passou por ali.

A fazenda constituia-se além de centenas de alqueires de Mata, tantos outros de campos, de cultura (plantações) de Mamona, de Algodão, milho, sacas de feijão, fubá, Casa de Telhas, Casa de Ferreiro, Casa de Carpintaria, um grande Paiol, Casa de vivenda, Chiqueiros, bois de carro, carretão, carro, novilhas, vacas, Engenho de Açúcar movido a Bois (além do tanque de azedar açúcar, formas, etc) produção de aguardente em alambique com Capêllo, curral com 03 porteiras grandes e um pouco mais de uma dezena de escravizados. Na relação de "Casas de Comércio e Agoardente" que o governador mandou fazer em 1836, lemos no documento do Arquivo Público Mineiro, que no enorme distrito do Espírito Santo do Indaiá haviam apenas 06 engenhos que fabricavam aguardente, todos movidos por Bois, sendo o Engenho do S.M José de Deus Lopes o primeiro da Lista. Consta também que Modesto Ordonhes da Cunha Lara fazia giros pelas fazendas vendendo gêneros de "fazenda secca". (14)

Propriedades: 

Quando da vinda do Barão de Eschewege em 1812, JDL já era capitão e proprietário das fazendas de Santa Cruz, Borrachudo e Sant"Ana. 

- Santa Cruz
Situada atualmente no distrito da cidade de S. Gonçalo do Abaeté, vendeu-a ao Capitão Manuel José Monteiro de Barros. 

- Borrachudo 
Localiza-se atualmente na cidade de Morada Nova de Minas, vendeu-a ao padre José Francisco Rabelo.

- Santa Ana e Quati

Enorme fazenda, cujo território atual abarcava principalmente os municípios de Cedro do Abaeté e Abaeté, englobando a Serra do Capacete até as margens do Indaiá. 

Em seu inventário constam ainda 

- Fazenda da Cachoeira Bonita

Propriedade na margem direita do Rio Abaeté, que deu como dote do casamento de sua filha Maria com o Coronel Jacinto Álvares, foi pelo major e sua esposa comprada de sua filha anos depois.

- Fazenda do Gamelão:

Consta em seu inventário ter terras nessa localidade

O Barão de Eschwege dava notícias de que "o comandante do Indaiá, José de Deus Lopes, Capitão do Regimento da Cavalaria de Minas" - na região tinha se tornado "um pequeno déspota [forma pela qual] governava os escassos habitantes espalhados pelos arredores". Ainda Eschwege, informava que José de Deus, já aposentado da cavalaria, dedicava-se exclusivamente às suas posses. Ampliando sobremaneira seu patrimônio, influenciou a região até a sua morte, aos 88 anos, em 1839.

Descendência:

Deixou 08 filhos com sua esposa. O Ordónez (Ordonhes) veio de seu avô materno "José Pompeu Ordonho de Almeida (nascido em Sorocaba em 1699) que por sua vez era neto do bandeirante Castanho Taques e trineto de Diego Ordóñez de Lara (nascido em Zamora, Espanha) em 1550, falecido em Santana de Parnaíba, São Paulo, em 1632.

Segue a relação dos filhos de José de Deus:

1- Francisco Ordonhes da Cunha Lara nasc. 1802 em Ouro Preto- não se casou. Foi Tenente Coronel da Cavalaria Regular de Minas.

2- Pedro Ordonhes da Cunha Lara - não se casou. Nasceu em Ouro Preto em 1804 e faleceu em Abaeté em 1879.

3 - Modesto Ordonhes da Cunha Lara (nasc. 1809) casado com Maria do Carmo e Castro.

4- Maria Carolina Ferreira da Silva ( ? - 1891), casada com o coronel Jacinto Alvares Ferrera da Silva, dono da fazenda da Bahia em Pitangui.

5-Guilherme Ordonhes da Cunha e Lara, casado com sua sobrinha Domitila Carolina da Cunha Ferreira, filha do Cel. Jacinto Álvares Ferreira da Silva.

6-Máximo Ordones da Cunha Lara, casado em primeira com Maria Angélica da Silva e em segunda com Lina Angélica.

7-Isabel Carolina Ordonhes da Cunha Lara, casada com Antônio Zacarias Álvares da Silva (o futuro Barão do Indaiá).

8 - Antônio Ordonhes da Cunha Lara, casado com Dona Maria Angélica da Silva no dia 01/06/1854. (Ela viúva de Manoel Simões)


Isabel Carolina Ordonhes da Cunha Lara


Genealogia do Major.

Posteridade

Este importante personagem ficou esquecido e injustiçado pelos cidadãos do Centro-Oeste mineiro, (que diga-se de passagem muitos descendem dele) pois, sequer tem uma rua, praça, ou edificio em seu nome. A única rua que recebia seu nome ficava na então Vila de Cedro e foi alterada após a emancipação. Se não fosse pelo grande historiador abaeteense Dr. José Alves de Oliveira, teria ficado no esquecimento completo em nossa região.

Como na Fazenda Sant’anna” criou sua grande prole, poderíamos qualificá-lo como um dos “patriarcas” abaeteenses, pois, dos casamentos de seus filhos foram constituídas muitas famílias da região: Álvares da Silva, Álvares de Abreu, Alves da Silva, Cunha Pereira, Oliveira, Campos, Alves de Oliveira, Alves da Costa, Ordones da Cunha Lara, entre outras.

Além disso, formou as terras que viriam a ser o "Comum de Santa Ana", hoje Cedro do Abaeté, que se iniciavam nas matas das cabeceiras do Córrego Quati, até o Buracão, Serra do Capacete, São João e Beira do Indaiá. A fazenda Pasto do Rei, por exemplo, fazia parte dessa gleba e conforme a tradição era onde descansavam os cavalos de seu regimento.

Cronologia:  (baseada em documentos)

-1751 - Nascimento.
- 1771 - Padrinho de Batismo em Itu, SP. 
-1775 -  Assenta praça como Soldado em Vila Rica-MG. 
-1780 - Promovido a Anspeçada.
-1783 - Recibo de ferraduras (Pinheiro?).
-1783 - Promovido a Cabo de Esquadra.
-1786-  Expedição nos Sertões de Macacu
-1787 - Furriel - 
-1788 - Expedição com índios (a esclarecer)
-1791 - no Indaiá para combater o garimpo de Isidoro
-1798 - Solicita visitar o Reino
-1799- Quartel Mestre - Casamento em Ouro Preto.
-1802 - Nasce o primogênito Francisco Ordonhes em Ouro Preto.
-1804 - Nasce Pedro Ordonhes em Ouro Preto.
-1804 - Solicita licença de 01 ano para visitar a Corte.
- 1804 - Censo de Vila Rica - Vivia com a esposa, filhos e 10 escravos.
-1805 - Recibo em Indaiá.
-1806- Governador o recolhe à praça (seria o quartel em Cachoeira do campo - Ouro Preto).
-1806 - Doa uma soma para o Príncipe Regente.
-1809 - Nasce Modesto Ordonhes - (provavelmente nascido na região do rio Marmelada).
-1810 - Assina 2 Recibos em Indaiá.
-1811 - Assina Em Pitangui.
-1814 - Capitão - Assina Recibo no Indaiá.
-1817-Junho - passagem no registro de Mathias Barbosa.
-1817-Junho - passagem no registro de Paraibuna.
-1817 - Junho - chega ao RJ.
-1822 - Assina recibo no Indaiá.
-1831 - Redige seu testamento.
-1833 - Recebendo soldo.
-1836 - Produtor de Aguardente, fazendeiro conforme relatórios da época.
-1839 - Falece aos 88 anos no Curato de Maravilhas (antiga São Joanico) - provavelmente estava de passagem para Pitangui ou Vila Rica.
-1848 - Falece sua esposa Joanna Helena.

Curiosidades:

Sou "primo" distante dessa personalidade, pois como ele descendo de Lourenço Castanho Taques (1608-1677), meu décimo segundo avô.

Para ler o testamento de José de Deus Lopes :

Fontes:

1- Carta de Pedro Maria Xavier com a relação dos mapas de Cavalaria, consta que José de Deus Lopes em 1806 tinha 54 anos. Documento do Arquivo Histórico Ultramarino.

2- História de Porto Feliz - IBGE.

3 - COTTA, Francis Albert, PELA LEI E PELA GREI: a célula mater da Polícia Militar de Minas Gerais. Belo Horizonte: O Alferes, v. 24, n. 65, 2010.

4 - CARTA de José de Deus Lopes sobre o relato das explorações feitas no rio Pomba e rio Buruyê. Presídio São João Batista, julho de 1797. Rolo 506, caixa 17, planilha 10.349.

5 - História militar do Brasil / Gustavo Barroso. – 1. reimpr. – Brasília : Senado Federal, Conselho Editorial, 2019.

6 - “Distâncias e sesmarias medidas da parte do sul, dadas pela Capitania do Rio de Janeiro”. Vide Anexo 4.
7 - CARTA de José de Deus Lopes sobre o relato das explorações feitas no rio Pomba e rio Buruyê, Presídio São João Batista, julho de 1797. APM-CC, caixa 17, planilha 10.349.

8 - A Odisseia de Mão de Luva na Região Serrana Fluminense Sebastião A.B. de Carvalho Nova Friburgo RJ 2015 Uma contribuição à historiografia do Estado do Rio de Janeiro, restabelecendo a verdade histórica sobre o pioneiro desbravador da Região Serrana Fluminense

9 - Gilberto Cézar de Noronha (jul.–dez. 2012). «Das relações de poder no oeste de Minas Gerais». OPSIS, Catalão. 

10 - Oliveira, José Alves de.- História de Abaeté temperada com um pouco de sal e pimenta.- Belo Horizonte, Impr. Oficial, 1970. 

11 - Postagens e comentários no facebook "Fotos Antigas de Abaeté".

12- Revista do IPHAN - Como nasceu Ouro Preto - 1955.

13- Página do facebook "Antônio Zacarias Álvares da Silva".

14- Instagram paisagens.indaia    

15 - APM - SPPP1/6 CX 3 - D6



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