Segundo Eschwege, no seu "Pluto Brasiliensis" publicado em 1833, José de Deus Lopes já andava pelos sertões do Indaiá há 30 anos, o que nos remete ao começo de 1800:
"O comandante do Indaiá, José de Deus Lopes, capitão do Regimento de Cavalaria de Minas, que vivera já a maior parte da vida (trinta anos) na guarda do Distrito Diamantino desse sertão, e, como um pequeno déspota, governava os escassos habitantes espalhados pelos arredores (...)" (5)
Em outro trecho, diz que o então Furriel José de Deus Lopes foi enviado para combater o bando de Isidoro de Amorim Pereira na região do Indaiá:
"Como o destacamento se enfraquecesse, o furriel, hoje major aposentado José de Deus Lopes, foi enviado para ali com um pequeno reforço. Os garimpeiros já haviam abandonado a região e se dirigido para o alto Abaeté" (5)
Neste intervalo de anos nestes dois relatos do Barão, que não comprometem o entendimento de que José de Deus estivera nos primórdios da exploração oficial do lugar, uma vez que nos documentos de 1807 da Real Extração dizem que José de Deus já fazia missões por ali há 15 anos.
A região estava em conflito desde que Isidoro de Amorim Pereira, grande conhecedor daqueles sertões, invadiu-os nos idos de 1790 chefiando um grupo de garimpeiros ilegais. O cadete recém-instalado Diogo Lopes Couro, sabendo da notícia, marchou contra Isidoro e seus companheiros demonstrando falta de prudência e de estratégia. O resultado foi que no dia 25 de julho de 1791 travou-se uma luta feroz cujo resultado foi a morte do Cadete e de 2 soldados, além de sete outros militares feridos e dois garimpeiros mortos. A tradição diz que este combate ocorreu junto ao morro "Nau de Guerra", hoje distrito de Tiros.
Após a chegada de Deus Lopes, o então furriel iniciou uma verdadeira caça ao grupo. Com sua experiência e boa formação, atingindo o rio Indaiá, encontrou o grupo de Isidoro em plena atividade de garimpo no porto dos Pintores. Conseguiu dispersá-los e queimar-lhes as choupanas. (5)
Representação de um oficial da cavalaria à galope.
O Diamante do Abaeté
Na perseguição a Isidoro, o Major veio a encontrar-se fortuitamente com garimpeiros de outro grupo, entre eles Assunção, Manuel Gomes Batista e vários outros, que lhe trouxeram jubilosos um grande e inestimável diamante de sete oitavas, três quartos e um vintém, o que equivalia a cento e trinta e oito quilates e meio.
Pediram-lhe que o fizesse chegar ao Rei, que lhes daria uma recompensa. Lopes, ao invés ofereceu-lhes escolta de alguns soldados de sua tropa até Vila Rica. Aquele seria o maior diamante descoberto até então. (5)
Permanência nos sertões do Indaiá
O Major nunca se afastou desses sítios, sendo ordenado para auxiliar na real Extração Diamantina do Abaeté e Indaiá no ano de 1807, já como Quartel Mestre. José de Deus era quem tinha o poder de “responder por tudo que é de sua alteza real” após a suspensão das atividades dessa curta extração, em 1808. Ordem do governador 1807
"Recebi do Tesoureiro da Real Fazenda e Pagador de Tropas Ordenadas mais despesas da Real Fazenda, a quantia de cento e onze mil réis dos meus soldos, sustento de minha montada que venci nos meses de Abril, Maio e Junho averão de Vinte seis mil de soldos. 76 mil de soldos como Quartel Mestre do Regimento e onze desta quantia do sustento de minha montada que tudo completa a esta referida quantia." Quartel Geral do Indaiá, 01 de Junho de 1814. José de Deus Lopes.
Sertões do Indaiá, que o Major conhecia como ninguém. À esquerda e Direita os montes Fragata e Nau de Guerra no município de Tiros-MG. Ao fundo, a Serra do Capacete em Cedro do Abaeté-MG.
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Mapa de 1800. Rio Indaiá em Azul, Serra do Tigre, Coatis (Capacete) e a Pedra Menina O Quartel de Santa Ana, marcado com uma cruz vermelha. |
As duas fases da exploração diamantina oficial do Rio Indaiá e Abaeté.
A primeira extração oficial ocorreu em 1786, com o objetivo de se tirar provas. Depois funcionou de 1791 a 1795, com tropas vindo do Tejuco.
Na segunda extração oficial, em 1807, JDL já era Quartel Mestre e foi nomeado comandante e superintendente dos serviços gerais daqueles garimpos por ser um "oficial ativo e inteligente destes sítios" por estar ali por mais de 15 anos".
Diogo Pereira Ribeiro de Vasconcelos, em seu livro de ofícios da real extração, refere que José de Deus Lopes "separou escravos para queimarem e plantarem a roça da fazenda real, começada em muito bom sítio com homens alugados, por carecer de escravatura".
A base da cavalaria regular nessa região era o Quartel-Geral do Indaiá (estabelecido em 1791, ampliado em 1801) ao qual pertenciam os presídios de Santana (nas cercanias de Cedro do Abaeté, próximo a fazenda Santa Ana), Palmeiras, São João do Ferreiro, Argões (ou Aragões), Assunção (abaixo do da barra do ribeirão dos Tiros) Cachoeira Mansa (ou Bonita) e São João da Boa Vista (este entre as cabeceiras do ribeirão dos Veados e do ribeirão Marmelada).
Entre os vários trabalhou, observa-se que José de Deus era frequentemente requisitado, na escolha de bestas, no transporte de mantimentos e de ferramentas para as tropas de extração, entre outras funções.
O desejo de ir à Portugal
Em duas ocasiões (1798 e em 1804), JDL pediu autorização para visitar Lisboa, então sede da Corte, uma vez que a família real ainda não havia se mudado para o Brasil. Os documentos estão no acervo do Arquivo Histórico Ultramarino
"Diz o Furriel Jozé de Deus Lopes do Regimento de Cavalaria Regular da Capitania de Minas Gerais da cidade do Brasil, que para i. de pendências que tem, precisa passar nesta corte da cidade de Lisboa, o que não pode fazer sem licença da Vossa Magestade" 22/10/1798
Neste outro documento lê-se que a licença de um ano foi concedida, porém ainda não se sabe se de fato ele realizou a viagem: " A José de Deus Lopes, Quartel Mestre do Regimento de Cavalaria de Minas Gerais se há de passar provisão de licença por um ano para vir a esta corte". Lisboa 19 de Maio de 1804.
É bem provável que nosso Sargento Mor tenha ido à Portugal pois o mesmo gozava de algum prestígio na Corte, uma vez que chegou a ser donatário de 400 mil réis em 1804 para o Príncipe Regente.
JDL na visão do governador
Em um interessante manuscrito de 1806, o governador Pedro Maria Xavier de Ataíde e Melo descreve o então Quartel Mestre, na ocasião com 54 anos de idade destacado na 8º Companhia do Regimento da Cavalaria de Linha de Minas Gerais:
"Este Official o achei destacado no Indaiá e parecendo-me impróprio em destacamento hum Quartel Mestre o fiz recolher a esta Praça, onde se tem até agora comportado bem, e tem igualmente exercido o seu Posto sem Nota: quanto porém aos seus Serviços Militares, melhor o podem attestar os meus Antecessores, e não as informaçoens lisongeiras, e apaixonadas de seu Coronel Comandante por ser mui seu Amigo, e que eu teria pejo (vergonha) d'aqui repetir"
A praça a que o Governador refere é o Quartel da Cachoeira Campo em Vila Rica, e o "mui amigo" de José de Deus seria o então o Comandante Antônio da Silva Brandão, capitão da oitava Companhia. O recolhimeno ao Quartel durou pouco, pois em 1807 este oficial retornou ao Indaiá para superintender a Real Extração de diamantes a pedido do mesmo governador que elogia o mesmo chamando-o de adjetivos como "inteligente, activo e honrado".
Comentário do Governador. Manuscrito de 1806.
Belíssima portada do Quartel Geral da Cavalaria, em pedra sabão com os dizeres: "Esta obra a mandou fazer o o ilustríssimo e excelentíssimo senhor D. Antônio de Noronha, governador e coronel geral desta capitania anno de 1779".
Quartel Geral da Cavalaria, em Cachoeira do Campo. O prédio ainda está de pé nos dias atuais.
Registros de uma ida ao Rio de Janeiro.
Uma das idas à Capital Imperial (Cidade do Rio de Janeiro) mais bem documentadas de José de Deus foi no ano de 1817 quando ele estava no comando da Sexta Companhia, como Capitão. No caminho, faleceu um de seus soldados (praças), registrado em uma carta na paragem de Mathias Barbosa. Outros dois praças ficaram doentes na paragem de Paraibuna (atual Simão Pereira). A companhia chegou ao RJ em Junho de 1817, passando pela Estrada Real no chamado "Caminho Novo".
"Chegou hoje a esta Corte que se contão vinte do corrente mês o Capitão José de Deus Lopes, com a 6º Companhia incompleta, por lhe faltarem quatro praças, por terem ficado duas doentes em caminho, morrer o Soldado Lizardo Lopes a sete deste Mês, por ter saído dessa Capital a dita Companhia com huma praça a menos, segunda a parte que me du o mesmo Capitão" Rio de Janeiro, 20 de Junho de 1817. José da Silva Brandão, Sargento Mor Comandante.
Trecho do Caminho Novo, em Vermelho.
Mapa das praças que se compõem a 6º Companhia do Regimento de Cavalaria de Linha de Minas Gerais, que se apresentou no Rio de Janeiro em 1817. Em seu estado completo consistia de 49 homens sob o comando do então Capitão José de Deus Lopes. Eram eles: 1 tenente, 1 alferes, 1 furriel, 1 cabo, 1 trombeta, 1 ferrador, e 43 anspeçadas.
Religião:
Temos algumas notas de sua religião, pois segundo relato de Eschwege, sobre José de Deus Lopes:
"Esse homem, corajoso e calmo de ordinário, despediu-se de nós cheio de pressentimentos, pois afligia-se por deixar-nos à mercê dos animais ferozes e doenças prováveis, sem nenhum auxílio médico. Ele próprio se arreceava desses males, pois, antes de encetar a sua viagem de volta, recebeu a comunhão."
Sua esposa, Joana, era irmã da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo de Ouro Preto. Ainda na avaliação de sua fazenda, quando do inventário, aparece uma imagem do Senhor Crucificado relacionada.
Dedicação à pecuária e últimos anos:
Como Eschwege observou, grande parte dos povoadores da região eram soldados: "que escolhem o lugar em que gostariam de ficar, pois possuindo algum dinheiro por ocasião da baixa, ali se estabelecem e contraem casamento". Narra também o caso de um soldado que conseguiu atestado falso de doença para dar baixa e se casar com a filha de um fazendeiro.
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