CASAS E UTENSÍLIOS NO GARIMPO DO RIO INDAIÁ E ABAETÉ EM 1809.



Ao fim da Real Extração Diamantina nos rios Indaiá e Abaeté, em 1809, a ordem do governador era que tudo o que restasse relacionado à mineração fosse inventariado e remetido o que fosse possível ao Tejuco. O restante ficaria sob guarda do Comandante do Destacamento do Indaiá. Felizmente, esse registro sobreviveu às intempéries do tempo e é um importante relato de como era a cultura material da extração diamantina na época. Os serviços apesar de curtos foram intensos. Somente no Serviço dos Pintores havia além do Paiol para guardar mantimentos, a casa de Ferreiro e a casa dos oficiais. Além disso, 19 casas de "pé direito" e outras 21 de "beira de chão". As de pé direito provavelmente tinham paredes e as de beira chão eram como ranchos. Essas casas eram cobertas de palma de coqueiro como descreve Eschwege que as viu em 1812.

"À margem do rio lndaiá, denominado Pintores, outrora explorado pelos garimpeiros, ainda havia uma casinha coberta de palmas de coqueiro, que oferecia cômoda hospedagem." (2)

Essas casas deviam comportar feitores, escravizados, tropeiros, ferreiros, carpinteiros bem como outros ofícios importantes naqueles trabalhos. Duas léguas à montante, no Rio Indaiá, em um local chamado de Cachoeira Seca mais 16 casas e 1 paiol. O Ferreiro utilizando de sua forja e outros equipamentos era o responsável por transformar o Aço e o Ferro em novas ferramentas, além de refazer as danificadas. Produzia também o "Rosário" e as "Rodas de Mão", que eram máquinas rudimentares de drenagem da água. Como tudo era raro e escasso naqueles sertões tão despovoados até mesmo uma táboa lavrada tinha valor. As tulhas eram recipientes de madeira feitas para armazenar mantimentos como cereais (milho, feijão) usadas até poucas décadas atrás na região. As bicas eram fontes de água que caíam nas canoas de lavar cascalho, que eram recipientes de madeira com esse fim. (1)

Sobre esta maneira de lavar o cascalho que era feita no período das chuvas, o Barão de Eschwege descreve em seu livro Pluto Brasiliensis enquanto visitava um garimpo no Serro do Frio (Mendanha)

"Essas canoas possuem pequena inclinação, tendo cerca de seis palmos de comprimento por dois de largura. Na cabeceira de cada uma, em toda a extensão do plano inclinado, existe uma bica completamente encoberta por pranchões, a qual possui vários orifícios de uma polegada de diâmetro (um e às vezes dois para cada canoa), para passagem da água necessária às lavagens. Esses orifícios são propriamente registros, que se podem abrir ou fechar à vontade (...). Em cada canoa se coloca um negro, e defronte do mesmo, em uma cadeira alta, sem encosto, se assenta o feitor, que se incumbe da vigilância de oito trabalhadores.Munido do almocafre, cada negro retira uma porção do cascalho depositado junto da calha e joga-o dentro da canoa, onde é submetido à ação da água corrente. Com os pés, impede que a água lamacenta arraste qualquer pedrinha. Simultaneamente, vai ajuntando o cascalho com o almocafre, até que fique completamente lavado e a água se torne limpa. " (2)


Lavagem de diamantes por escravos Prancha extraída de Mawe (John), Travels in the interior of Brazil (1823).



"Lista do que se encontra nestes dois serviços da Caxoeira Seca e Pintores que abaixo vai declarado cada cousa por seu nome.

A saber no serviço dos pintores

1 Paiol de guardar mantimentos com as 2 portas e as janelas

2 Tulhas que contão de 19 táboas de 21 palmos de comprimento, dez palmos de comprido porta rasgada e duas janelas e uma fechadura de Ferro nas portas

2.Tenda de Ferreiro com com duas táboas onde se pregão os folles com nove palmos de comprido 3 ditas do estrado dos mesmos com nove palmos de comprido, uma taboa em que se achava o forno uma dita do banco da tenda de seis palmos de comprido um côxo de esfriar ferramenta, três janelas da tenda, uma porta da mesma

3 Casa do mesmo ferreiro com duas janelas e duas portas, uma mesa de cinco palmas de comprido com duas taboas dois cabides de cinco palmos de comprido e um com sua prateleira

4 Casa dos oficiais do ferreiro com porta e janela

5 Casa de pé direito sem porta ou janela

6 Dita

7 Dita

8 Dita com porta e janela

9 Dita com janela

10 Dita com porta

11 Dita sem porta e janela

12 Dita

13 Dita

14 Dita

15 Dita

16 Dita com uma porta

17 Dita

18 Dita

19 Dita

20 Dita

21 Dita com duas portas e três janelas

22 Dita sem porta

Vinte e uma casas de beira no chão, e de pouca (?)

Oito táboas grandes e quatro pequenas

Quatro bicas pequenas, uma de 23 palmos e outra dita de 37

Uma táboa com onze e meio palmos de comprido

Uma mesa com seis palmos e meio com duas táboas

Uma mesa de cinco palmos

Dita de duas táboas com doze palmos de comprido

Uma roda de mão de nove palmos de alma

Um caixão de 27 palmos de comprimento

Três bancos de carapina e uma táboa de dez e meio palmos



Serviço da Cachoeira Seca

16 Dezesseis casas de pé direito que se fizerão para os ranchos de brancos e negros

Seis portas e cinco janelas das mesmas

Três mesas nas ditas, duas de quatro palmos e um de sete

Duas táboas de cinco palmos

Três ditas de 24 palmos

Um caixão de botar água fora de 30 palmos de comprido

Um paiol com tulha de três repartimetos que contam de quatorze taboas dez de 23 palmos e quatro de dez palmos cada uma de comprido

Uma (?) doze pratos , um de medir feijão, outro de sal e um pratinho de uma ração de sal

Trinta e três bateias



Francisco Mendes da Silva

Cabo de Esquadra"








Originais dos documentos transcritos (1)


Já no serviço do Abaeté a lista é a seguinte:


Relação das Casas de Morar que se achão neste Serviço do Abaeté na Tropa que administra José Nunes de Carvalho em 18 de Fevereiro de 1809


1 casa com cinco portas, seis janelas e três fechaduras
1 dita com cinco portas e quatro janelas
1 dita com três portas e quatro janellas
1 dita com uma porta sem janela e uma fechadura de ferro
1 dita com quatro portas e quatro janellas
1 dita com duas portas e duas janelas
1 dita com duas portas sem janellas
1 dita aberta que serve de carpintaria
-----
9


19 Canoas de lavar cascalho
2 Bicas
1 roda de mão
1 caixão de 20 palmos
1 carretão
2 Cangas
4 Bois de Carro, dois morreram de erva que se (?) os negros e outro pintado desapareceu que se julga estar nos pastos do Borrachudo donde saiu, e um que existe
5 fechaduras de ferro 4 nas casas e 1 sem ser
2 pedras de moinho
2 canoas de navegar no rio
1 mesa grande
3 bancos que acompanhão a mesa
1 banco de carpinteiro
1 coxo grande de dar sal aos burros
4 taboins de cata
O paiol com mais da metade soalhado de táboas com sua tulha de guardar feijão
2 dois cabides
3 Camas de taboas


Ambrózio Caldeira Brandt









Originais dos documentos transcritos (1)
Fontes:



1 - Arquivo Público Mineiro - Códice 321 - Livro de Contas Correntes páginas 97 e 98.

2 - Eschwege, W. L. von. Pluto brasiliensis / W. L. von Eschwege ; tradução do original alemão por Domício de Figueiredo Murta. – Brasília : Senado Federal, Conselho Editorial, 2011. Página 495.










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