Dr. Diogo Pereira Ribeiro de Vasconcellos - Narrativa da chegada ao Quartel Geral do Indaiá - 04/09/1807

Carta escrita aos 11/09/1807, por Diogo Pereira Ribeiro de Vasconcelos, endereçada ao então governador da Capitania, o senhor Pedro Maria Xavier, tratando da chegada ao Quartel Geral, das celebrações no dia 08/09 e do início dos trabalhos de extração diamantina. O uso do hino "Te Deum Laudamos" - em português "a Vós, ó Deus, Louvamos", um hino composto por Santo Ambrósio no ano 317 D.C, era recorrente em múltiplas cerimônias desde que manifestassem alegria, em ação de Graças. 

"Ilmo. e Exmo. Sr.:


Com quinze dias de jornada e quatro de falhas necessárias, cheguei a este Quartel-Geral do Indaiá a quatro do corrente. Eram já chegadas as tropas diamantinas, que ficam divididas, parte delas no Rio Abaeté e outra parte no Rio Indaiá. Ao administrador do serviço deste rio, ordenei pessoalmente que fôsse extraindo cascalhos em toda a extensão dele que pudesse alcançar durante o resto da sêca, para que mexidos, nas águas possamos ajuizar do lugar ou lugares em que no, verão futuro, deveremos assentar com as rodas e as máquinas. A mesma ordem dirigi ao de Abaeté pelo ofício que vai por cópia nº1 fazendo de mais a mais partir para aquele rio o Capitão Caetano Miguel da Costa com os dois práticos, Manuel Gomes Batista, tesoureiro da Intendência de Sabará e Antônio da Costa , fiel do Registro de Zabelê, um e outro prometem grandes coisas mas em diferentes rios, querendo Manuel Gomes que um ribeiro que da parte do norte faz barra no Abaeté  seja todo diamantino, mas que a estação próxima já às águas, não permite que se lavre este ano. Determinei-lhe, contudo, que o fosse mostrar ao administrador Caetano Miguel, o que fez, por me dizer este prático que tem sido acometido duas vezes dum ramo de estupor. 


Ao público, participei o estabelecimento da nova Extração e outras notícias, que se não devem ignorar e que constam do edital por cópia nº 2 e convencido da necessidade de invocar ao Soberano Ser e da nulidade dos estabelecimentos humanos sem os seus auxílios, fiz ao mesmo tempo cantar Missa, aplicada pela conservação do Príncipe Regente Nosso Senhor, e o Te Deum pelas prosperidades da nova Extração. O comandante do destacamento, Alferes João Carlos da Rocha Brandão, postou a tropa de seu comando à porta deste Quartel, onde se levantou o altar, e concluído o Te Deum fêz apresentar as armas, no qual recitei eu a fala n.°3, necessária para animar as tropas diamantinas, desmaiadas na consideração das moléstias endêmicas deste clima e na privação dos socorros que têm no arraial do Tijuco: penso ter alcançado o meu fim, e ainda mais porque,acabando eu de falar, a soldadesca deu, entre vivas à Sua Alteza e à tôda a Real Família, as três descargas do costume, com tal energia que parecia achar-se em conflito na defesa de suas vidas.


Seguiu-se o meu pobre jantar aos administradores dos serviços diamantinos, que se achavam, oficiais da tropa de linha e aos convidados, e ao que faltou de suntuosidade supriu a alegria com que todos beberam à saúde do Soberano e de sua Augusta Família. Jantaram depois os soldados, aos quais assisti, e com o mesmo entusiasmo com que deram fogo os vi, vozes em grita de vivas a Sua Alteza Real, despejar seus copos. Devo referir a Vossa Excelência que não pude presenciar a boa vontade e fé desta gente, sem correntes de lágrimas, que ainda agora, quando isto recordo, me caem dos olhos a borbotões. Vi, Exmo. Senhor, diante de mim um punhado de homens, e de homens portugueses. Tudo isto passou com o dia da Natividade de Nossa Senhora, oito deste mês. 


Com a noite, apareceu o meu Quartel iluminado e os dos dois oficiais militares com o da sua tropa. O administrador Caetano Miguel da Costa fez conduzir , acompanhado de três flautas, uma árvore iluminada com letras, que diziam: "Viva o Príncipe Regente Nosso Senhor”


Aqui tem V. Exa. Em breve escrita a relação do estabelecimento desta Extração e do começo dos serviços. Espero em Deus que os tenha de abençoar.  Ao Furriel Ambrósio Caldeira Brant pretendo encarregar da exploração do córrego chamado Rio de Janeiro", para que o farei ajudar vinte escravos, dirigidos por dois feitores, do préstimo deste homem pretendo servir-me para espreitar os empregados suspeitos, se é que os há, porque até agora nenhum me merece esta nota.


Cuido de ver escravos para queimarem e plantarem a roça da Fazenda Real, que José de Deus Lopes, ora comandante deste destacamento, começou em muito bom sítio com homens alugados, por carecer de escravatura, cujos braços vão a melhor mercado. 


Amanhã parte para o Indaiá o prático do Rio Prêto, com os instrumentos de ferro de extrair cascalho dos rios, e logo que tiver instruído os escravos desta tropa, o farei passar para a do Abaeté com o mesmo desígnio. Devo também dizer a V. Exa., que o administrador do serviço do Indaiá me representou a necessidade de repartir algumas reses pela escravatura, a fim de a contentar: em Tijuco dá-se-lhes para festas, e aqui pretende êle que se estenda a mais alguns dias, na falta de outras comodidades que acolá se têm. 


Parece-me que, sobre redundar isto em pequena despesa na roda do ano, se compadece com a humanidade que não sofre que estes miseráveis, entregues aos mais rudes trabalhos lhes resistam mal comidos. Mas nada por ora decidi, sem a explicação de Vossa Excelência. 


Quanto ao Quartel em que estou, dá casas para o Cofre e a Escrituração e para minha morada, não há largueza, mas cabemos. Lembro porém à V. Exa que se não podem dispensar algumas vidraças por ser o lugar tão desabrido que nos poucos dias que o habito me tem sido preciso passar parte desses a janelas fechadas. Com a pequena despesa de trinta a quarenta mil réis, mandando-se conduzir os vidros do Rio, cessará este grande inconveniente. Outro problema é a falha de sal, pela indesculpável demora da tropa que o conduz do Rio.


Previno muito de longe a V. Exa, que a felicidade desta Extração, nascente em País ermo de tudo, depende de munições de todas as espécies. O sal, vim saber isto a Pitangui, fica a melhor mercado mandando-se conduzir das partes de S. Paulo em tropas desta vila, onde, achei para meu gasto a três mil e seiscentos, e me informaram que corre quase sempre a três mil réis. Será também muito útil que a escravatura, cujo número é indispensável que se aumente logo que as rodas e máquinas se construam, venha das Gerais: muitos se hão de achar que a ofereçam e aprestem em desconto do que devem à Fazenda Real. E demais disto carecemos de mineiros, que trabalhem juntamente na exploração do ouro. Perto daqui, em o Rio Borrachudo, segundo ouço, existem serras ao parecer auríferas; faco-me

cargo de as mandar provar em ocasião oportuna. É o que tenho a dizer e a representar a V. Exa., que Deus guarde, como a Capitania há mister.


Quartel Geral do Indaiá, 11 de Setembro de 1807. Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Pedro Maria Xavier de Ataíde e Mello - Diogo Pereira Ribeiro de Vasconcellos."





Fotocópias do Trecho Transcrito acima, da seção Colonial do Arquivo Público Mineiro, Livro de Ofícios da Real Extração Diamantina do Indaiá e Abaeté.

Notas:

1- Para conhecer mais sobre a vida de Diogo Pereira Ribeiro de Vasconcellos, caixa da extração, o seguinte link: https://cedrodoabaetemg.blogspot.com/2022/09/215-anos-da-chegada-do-dr-diogo-pereira.html

2 - Para ouvir um hino "Te Deum" musicado por José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita (Vila do Príncipe - atual Serro, MG - , 1746 - Rio de Janeiro, 1805), o seguinte link https://www.youtube.com/watch?v=HxXGPYNjyLE




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